Lei de Murphy da Política Econômica: “Quanto mais sabem e mais concordam os economistas, eles têm menor influência na Política Econômica. Têm maior influência na Política Econômica quando sabem o mínimo e discordam veementemente.” (Alan S. Blinder)
É necessário distinguir entre plano do mandato governamental e planejamento estatal de longo prazo. O primeiro é de médio prazo com seu fim em um quadriênio. O outro dura até a maturação dos investimentos.
Por exemplo, investimento em usina hidrelétrica ou em extração de petróleo em águas profundas tem maturação de oito a dez anos. Questão de Estado perdura, mas deve ser tratada como inadiável. Um exemplo é a resolução do problema de favelas no Brasil com urbanização e transformação em bairros populares com todos os serviços públicos disponíveis, ou seja, não monopolizados por milicianos oriundos de polícias militares.
O déficit habitacional urbano atual é estimado em 5.885.500 Unidades Habitacionais (UH) e o déficit rural soma mais 1.055.136 UH. No Minha Casa, Minha Vida (MCMV), o maior programa de acesso à moradia da história brasileira, houve a contratação de 6.064.980 UH e foram entregues 5.090.660 UH até o primeiro semestre de 2021.
Se a Presidenta Dilma Rousseff não tivesse sido golpeada, teria dado continuidade do MCMV no ritmo do seu primeiro mandato. Com mais dois mandatos com essa prioridade, teria sido possível acabar com o déficit habitacional em dezesseis anos.
Esses planos governamentais são necessariamente altamente agregados e contêm objetivos amplos, relacionados principalmente à capacidade produtiva, portanto, ao investimento. Já o mix de produtos – Internet das Coisas (IoT), rede 5G, AgTech e AgFintech, Telemedicina, infraestrutura de telecomunicações, transformação digital, iluminação, mobilidade urbana, eletrificação de veículos, logística (rodovias-ferrovias-portos-aeroportos), petróleo e gás, energia elétrica e energias renováveis, entre outros – será adaptado aos requisitos temporais imediatos e não pode ser previsto com antecedência em detalhes.
Um plano de longo prazo busca ser equilibrado no sentido de entrada-saída ou insumo-produto. Os planejadores monitoram os chamados saldos de materiais para os principais produtos, garantindo a disponibilidade planejada corresponder à utilização planejada.
Esses planos, caso sejam centralizados, têm dificuldades operacionais. Sem destinatário, ou seja, sem ser “sob demanda”, nenhuma empresa específica pode ser instruída a agir. A encomenda não deve ser apenas o atendimento do comitê central de planejamento.
No mundo ocidental, dada a crise fiscal das economias de mercado, surgiu a necessidade de incorporação de empresas privadas nos próprios planos quadrienais. Foi o meio de torná-los viáveis e relacionar várias normas e incentivos a eles.
Na realidade, executar ‘micro’ planos estratégicos para quatro anos à frente é difícil, mas não uma impossibilidade absoluta. Mesmo planos anuais são notoriamente instáveis. São alterados, repetidamente, para fazer ajuste frente ao inesperado ou para corrigir erros tardiamente identificados.
A elaboração de planos de longo prazo relativamente agregados – e “não resolvidos em detalhamento” – não representa uma tarefa impossível, mesmo havendo várias centenas de itens a contemplar de maneira sistêmica. O problema é a execução.
O plano operacional anual, elaborado nos últimos meses do ano anterior e dividido por trimestres e por meses, também pode apresentar problemas formidáveis. Os planos de produção para milhares de produtos e implicam cada um exigir inúmeras matérias-primas e gerar muitos subprodutos ou variedades.
Entrar em maiores detalhes a priori causaria um atraso excessivo e, possivelmente, desatualização rápida. Esta é apenas uma das dificuldades atribuíveis à escala da coordenação necessária para implementar todas as instruções de um plano geral.
Como cada um dos milhares de produtores requer numerosos insumos a serem fornecidos por meio do mecanismo de alocação, e como cada empresa deve receber instruções específicas, relativas à produção e aos insumos, mesmo de forma relativamente agregada, a carga de responsabilidade sobre os planejadores é enorme. A tarefa essencial de coordenação torna-se ainda mais complicada pelo fato de ela ser compartilhada, de maneira especializada, por vários Departamentos técnicos em Ministérios separados.
Embora as empresas devam operar de acordo com uma contabilidade orçamentária de custos e receitas, na verdade, a verba e os preços não podem desempenhar um papel passivo,ao ser dada prioridade aos indicadores de cumprimento do planejamento central. A ausência de qualquer incentivo para economizar recursos significa desperdício na certa.
O Tribunal de Contas da União (TCU) mostrou essa realidade no Brasil. Em 2018, foram identificados mais de 38 mil contratos de obras com recursos da União. Desse total, havia mais de 14 mil contratos, somando R$ 144 bilhões, “paralisados”.
Deficiência técnica, problemas no fluxo orçamentário e financeiro e abandono das obras pelas empresas contratadas foram algumas das razões apontadas. Os planos compulsórios de redução de custos com economia de material não podem entrar em conflito com o objetivo de fornecer o requerido pelo governo de plantão.
O planejamento central no socialismo realmente existente (SOREX) fracassou no sentido de ter levado a um totalitarismo inoperante. Embora os cidadãos fossem livres para gastar seus salários em mercadorias nas lojas estatais a preços fixados pelo Estado, não havia uma ligação econômica direta ou feedback desses preços de consumidores aos preços dos produtores, estabelecidos no mercado de atacado. O sistema de preços relativos não funcionava como indicador de alocação de capital.
Em tais casos históricos do SOREX, constatou-se ser um equívoco considerar O Mercado sempre como um inimigo a ser limitado ou excluído. A priori, as matérias-primas e os produtos a serem fornecidos, seja para a demanda intermediária, seja para a demanda final, já tinham os preços prefixados – e fora da realidade. Infelizmente, no caso, o mundo real é variável e imprevisível com certeza.
Racionamento capitalista se faz com elevação de preços. Racionamento socialista se dá através de fila por ordem de chegada. O primeiro dá a sensação de abundância pela sobra de mercadorias não vendidas, devido à falta de poder aquisitivo de parte da população.
O segundo resulta em estado de permanente escassez, porque nem todos os consumidores, possuidores de poder de compra, conseguem os produtos desejados. Daí surgem os negócios em mercado paralelo, com venda livre de mercadorias controladas.
Um sistema de planejamento como este torna-se cada vez mais incapaz de dar conta dos desafios do conhecido como “crescimento intensivo”, ou seja, crescimento baseado no uso mais eficiente de recursos escassos. Esse sistema confere às autoridades políticas, isto é, aos funcionários do partido único e do Estado autodenominado socialista, um alto grau de controle burocrático sobre os recursos materiais e humanos, mas é ineficaz, não causa o efeito esperado por ser inoperante.
Para evitar revoltas, o SOREX desenvolveu uma espécie de contrato social informal com as massas de trabalhadores: segurança de emprego, tolerância com lentidão no trabalho, preços das necessidades básicas e aluguéis abaixo do custo. Quaisquer mudanças em direção a um “socialismo de mercado” do tipo da China moderna encontravam, por causa do autoengano soviético, uma resistência considerável na sua nomenclatura dirigente, tornando o sistema distante do socialismo desejado pelos militantes.
Planejamento e Mercado têm sido vistos como opostos incompatíveis, tanto por socialistas sectários quanto por anticomunistas dogmáticos. No entanto, uma mistura dos dois é essencial em qualquer sociedade moderna.
Esses e outros temas são tratados no meu novo livro digital, Política e Planejamento Econômico (PPE). Fiz uma longa pesquisa em fontes jornalísticas para levantar as inovações tecnológicas e financeiras recentes e como elas afetam a política econômica em curto prazo e o planejamento econômico em longo prazo.
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