O Rio de Janeiro segue funcionando “por aparelhos”
- Helcio de Medeiros Junior

- 29 de set.
- 5 min de leitura
Com o orçamento comprometido e a impossibilidade de planejar - uma vez que se extinguiu o órgão estadual de estatísticas -, as políticas públicas deixaram de atender aos interesses da população e do meio empresarial para satisfazer a conveniência de grupos políticos
Artigo produzido para a coletânea Opina Rio (número 6), coordenada por Bruno Leonardo Barth Sobral
Após quase dois séculos sendo o centro político nacional, a cidade do Rio de Janeiro não conseguiu desenvolver relações com os sistemas sociais municipais vizinhos de forma a que estes se tornassem mais independentes de sua oferta de serviços. As iniciativas políticas do Estado nacional de proporcionar condições para o desenvolvimento regional, e assim reduzir a elevada concentração de renda e de recursos na capital, não foram bem recebidas.
O novo Estado do Rio de Janeiro deveria encontrar seu próprio caminho, mas se dividiu entre o desejo de retorno ao passado saudoso para as classes mais abastadas, favorecidas pelo patrimonialismo gerencial praticado por gestores públicos, e a falta do planejamento do desenvolvimento necessário para as classes menos favorecidas.
Enquanto o passado não volta, o futuro não interessa
A grande maioria das administrações após a fusão que deu origem ao atual Estado se mostrou inepta em propor uma agenda estruturada de desenvolvimento para reduzir a desigualdade regional. Além disso, iniciativas saudosistas de retorno ao passado em nada ajudaram a firmar na população a noção de “ser fluminense”.
Como se não bastassem esses dois fatores, o patrimonialismo de sempre se adaptou à concepção dos países do centro do capitalismo de que Estado eficiente é o que tem uma estrutura mais reduzida. Em 2009 foi extinta a Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro, ou Fundação Cide, o órgão estadual de estatística (OEE), levando à captura do seu orçamento por agentes do mercado, de forma a atender a interesses políticos que levaram ao impedimento de governadores.
Com o orçamento comprometido e a impossibilidade de planejar (sem informações) com base em evidências científicas sob orientação do OEE, as políticas públicas deixaram de atender aos interesses da população em geral e do meio empresarial. E as decisões dos gestores públicos passaram a satisfazer a conveniência de grupos políticos que os sustentavam em cada ciclo político.
Como resultado, a gestão pública fluminense passou a apresentar: a) falta de transparência pública, que segundo o índice de transparência e governança pública (ITGP) é a pior dentre as Unidades da Federação (UFs) da Região Sudeste, seja quanto ao desempenho do Executivo (em 2023) ou do Legislativo (em 2022), e; b) estagnação do bem-estar e piora das condições sociais entre 2010 e 2021, tendo por base a variação comparada dos índices de desenvolvimento humano municipal (IDHM) e de vulnerabilidade social (IVS).
O Rio de Janeiro se manteve estagnado em termos de sua condição no IDHM (alto desenvolvimento) e oferta de bem-estar em relação a São Paulo (SP), e reduziu a vulnerabilidade social (IVS) de maneira incipiente à luz do desempenho paulista, por exemplo (Medeiros Junior, 2024b).
Os resultados analisados sugerem que o abandono da estrutura institucional adequada ao planejamento governamental, e também à execução de políticas públicas, não melhora a qualidade do que é oferecido à população.
Tergiversar não muda a realidade
As peças de marketing do governo do RJ apresentadas na mídia impressa tentam passar a ideia de que as mudanças implementadas foram positivas, mas o fato é que, sem informações organizadas e amplamente disponibilizadas por um OEE, a população não tem condições de conferir esses resultados. Impedir o acesso aos dados que mostram as reais condições em que se encontra o Estado é tratar com desdém o direito do cidadão e do setor empresarial, que alimentam o orçamento público e merecem saber o que motiva o seu uso.
Entretanto, por mais que se tente dourar a pílula da condição em que se encontra o Rio de Janeiro, as evidências teimam em negar a visão positiva exaltada pelo Executivo estadual e mostram que o RJ funciona por aparelhos.
Toma-se como exemplo a revisão da Política Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR II), cuja atualização mostrou que das oito regiões de governo adotadas para fins de planejamento pelo RJ, seis delas (excetuando-se a Região Metropolitana) são consideradas estagnadas e outra de baixa renda, levando a que 44 dos 92 municípios sejam elegíveis a receber recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional - FNDR (Medeiros Junior, 2024c).
Contribuiu para essa condição, para piorar, a política econômica neoclássica-neoliberal adotada na década dos anos 2010 a partir do início da recessão econômica (2014-2016), que favoreceu a acumulação de capital e o desenvolvimento econômico em detrimento do desenvolvimento social (Medeiros Junior, 2024a).
Fugir da obrigação de realizar o planejamento governamental, como expresso no Artigo 174 da Constituição Federal de 1988 (CR/88), é útil para buscar firmar uma narrativa conveniente que exalte aquilo que não se permite conhecer de maneira transparente, inviabilizando a crítica, o debate e as políticas públicas necessárias, o que per se caracteriza de forma negativa a perspectiva política que norteia a atuação do gestor público.
Tendo em vista o alinhamento do atual grupamento político que ocupa o Palácio Guanabara desde 2019 com a extrema direita, cuja atuação no governo federal ficou marcada pelo negacionismo científico na crise sanitária, a indiferença quanto à obrigatoriedade de realizar o planejamento governamental com base em evidências científicas como expresso na Constituição de 1988 é não só uma evidência de descaso e desrespeito com a população do Rio, e com o texto constitucional, mas também um exemplo de gestão pública pouco democrática.
Helcio de Medeiros Junior é economista aposentado do Instituto Pereira Passos e pesquisador científico do Grupo de Estudos da Economia Regional e Urbana-Gerurb/CNPq.
Crédito da foto da página inicial: Tânia Rêgo/Agência Brasil.
Título original: O Rio de Janeiro funcionando por aparelhos: sem planejamento e sem respeito ao cidadão
Referências
Medeiros Junior, Helcio de. Após a década perdida do desenvolvimento nos anos 2010 no estado do Rio de Janeiro, mais do mesmo. In: GUILHERME, Willian Douglas; SANTOS, Deivid Alex dos; FREITAS, Patrícia Gonçalves de (Org.). Pesquisas integradas em ciências humanas e sociais – Volume 2. Rio de Janeiro: e-Publicar, 2024a. p. 93-112. https://doi.org/10.47402/ed.ep.c2421197659.
Medeiros Junior, Helcio de. Planejamento e gestão pública com ausência de informação no estado do Rio de Janeiro. Revista Estudos de Planejamento, Porto Alegre, n. 23, p. 30-48, dez. 2024b. Disponível em: https://revistas.planejamento.rs.gov.br/index.php/estudos-planejamento/issue/view/297/showToc. Acesso em: 25 out. 2024.
Medeiros Junior, Helcio de. Entre a saudade e o compromisso com o futuro: o estado do Rio de Janeiro sem planejamento. Cadernos do Desenvolvimento Fluminense, Rio de Janeiro, n. 27, p. 193-213, 2024c. DOI: 10.12957/cdf.2024.87185.Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/cdf/article/view/87185. Acesso em: 23dez. 2024.






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