Porto Alegre pode se tornar um modelo de “cidade compacta”, com menores distâncias entre moradia e trabalho e demais serviços, de forma a estimular que o cidadão utilize transporte público combinado com caminhada e bicicleta. É a redescoberta da vida comunitária e o abandono do privilégio ao automóvel
De acordo com dados disponibilizados pelo “Plano de Mobilidade de Porto Alegre”, cerca de 40% do total de viagens realizadas diariamente na cidade têm o trabalho como principal motivo para o deslocamento (Mobilipoa, 2017). Nestas locomoções, o tempo de trajeto estimado entre casa-trabalho é de, em média, 29 minutos, cenário diferente do encontrado em outras capitais brasileiras, como, por exemplo, São Paulo.
Na capital paulista, mais de 70% da população residente do município gastam mais de uma hora por dia para realizar o percurso com o mesmo objetivo (Rede Nossa São Paulo, 2020).
Dessa maneira, realizando uma comparação entre as cidades, é possível vislumbrar que a distância entre residências e usos cotidianos é, relativamente, menor em Porto Alegre, seja pelo menor grau de espraiamento do tecido urbano ou pela menor quantidade de áreas de desenvolvimento econômico e social.
Em relação à avaliação do sistema de transporte público municipal, uma consulta de satisfação realizada com os usuários pela prefeitura da capital gaúcha, em 2023,
identificou que a rede de transporte obteve uma nota de 5.9, representando uma
avaliação superior ao índice meta para o ano de 2024, de 5.7.
Dentre os dados disponibilizados, 70% dos usuários viajam de ônibus cinco ou mais vezes por semana, 28% não poderiam usar nenhum outro meio de locomoção, 75% dos indivíduos utilizam o ônibus para ir ao trabalho, enquanto a principal alternativa ao transporte coletivo, para 48%, são os aplicativos de transporte individual.
Ainda de acordo com a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana e a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), 56% dos usuários entendem que um dos principais problemas enfrentados no transporte coletivo é o congestionamento e, entre os pontos mais bem avaliados, estão: o atendimento ao cidadão (7,3%), a forma de pagamento e recarga da passagem (7,1%) e o acesso ao transporte (6,6%).
Todavia, vale ressaltar que a avaliação referente ao conforto e à conservação dos ônibus não foi publicada no material divulgado, apontando que, mesmo não sendo um dos indicadores com menor desempenho, a percepção dos usuários é de que a frota atual não apresenta a devida comodidade (EPTC, 2024).
Segundo o mapa de distribuição do número de empregados por empresa e bairro, pode-se constatar que as principais áreas de atração de pessoas e, consequentemente, de deslocamento, são para os bairros centrais, ao norte e ao longo da Orla do Rio Guaíba, conforme imagem abaixo:
Dessa forma, identificadas as principais características do transporte público da cidade e considerando os problemas apontados pelos usuários nas pesquisas realizadas pelas instituições e poder público, grande parte da população utiliza o sistema para realizar deslocamentos entre casa-trabalho, possuindo os bairros centrais e do norte da cidade como principais destinos nos percursos.
Sendo assim, uma alternativa para potencializar o sistema de transporte, impactando positivamente para a promoção de uma mobilidade mais eficiente no território é a diminuição das distâncias entre os usos e a sofisticação da rede de ônibus, principal meio de transporte público utilizado.
Segundo Richard Rogers em seu livro “Cidades para um Pequeno Planeta” (1997), para o desenvolvimento de cidades mais sustentáveis e que promovam qualidade de vida aos cidadãos, a sobreposição de usos é uma estratégia fundamental para se atingir tais objetivos. De acordo com o autor:
A criação da moderna Cidade Compacta exige a rejeição do modelo de desenvolvimento monofuncional e a predominância do automóvel. A questão é como pensar e planejar cidades onde as comunidades prosperem e a mobilidade aumente, como buscar a mobilidade do cidadão sem permitir a destruição da vida comunitária pelo automóvel, além de como intensificar o uso de sistemas eficientes de transporte e reequilibrar o uso de nossas ruas em favor do pedestre e da comunidade.
A Cidade Compacta abrange todas essas questões. Ela cresce em volta de centros de atividades sociais e comerciais localizadas junto aos pontos nodais de transporte público, pontos focais, em volta dos quais as vizinhanças se desenvolvem. A Cidade Compacta é uma rede destas vizinhanças, cada uma delas com seus parques e espaços públicos, acomodando uma diversidade de atividades públicas e privadas sobrepostas.
Em virtude disso, utilizando o conceito de cidade compacta aplicado à capital gaúcha, em contraposição ao modelo modernista de urbanismo – mesmo havendo a promoção da sobreposição de usos via plano diretor, como foi feito em São Paulo a partir de 2014 – nem todos os bairros possuem características comerciais e culturais para abrigar equipamentos e empresas com escalas de médio ou grande porte.
Para este contexto, a criação de centralidades próximas a essas regiões pode ser uma
solução que melhor se adapte ao contexto dessas localidades e que, somada à
multifuncionalidade, acarretará na diminuição das distâncias.
Para este artigo, será utilizado o conceito de centralidade aplicado em vários trabalhos desenvolvidos e apresentados na exposição denominada “Le Grand Pari[s]” exibida até o início de 2010 em “La Cité de l’Architecture e Du Patrimoine”, Palais du Trocadéro, Paris.
No evento, destaca-se um pequeno glossário chamado “Dix Mots Pour Comprendre Le Grand Paris”, feito pela comissão científica de acompanhamento da consultoria, que condensa as terminologias empregadas com mais frequência pelas dez equipes que participaram do programa. Nelas, “Centralité”, ou “Centralidade”, é definida como:
a capacidade de um espaço de polarizar os espaços próximos, atrair fluxos e chamar pessoas, e que se cristaliza configurando-se como um “centro urbano” (ou um “lugar urbano”) caracterizado pela maximização da densidade e da diversidade das realidades sociais ali agrupadas, determinando o que se pode-se entender como uma intensidade urbana.
Portanto, tendo como eixos norteadores a convergência da multifuncionalidade de usos com a criação de novas centralidades, somados ao investimento na sofisticação da rede de ônibus, foram elencadas as seguintes diretrizes de planejamento para o território: promoção do conceito de cidade compacta via sobreposição de usos; conexão dos bairros periféricos com as centralidades econômicas e culturais (existentes e propostas); incentivo do transporte público ao invés do privado; conexão dos nodais de transporte; ampliação dos corredores de ônibus; sofisticação da frota de veículos públicos e paradas de ônibus; expansão da rede de ciclovias; incentivo do caminhar ativo na cidade.
As ações propostas poderão ser implementadas com o conceito “top-down”, ou seja, deverão partir de questões macro para, em seguida, se conter nas ações de espacialização no território. Isto porque a implementação das duas primeiras diretrizes deverá ser feita via legislação, isto é, pelo Plano Diretor (1), que, inclusive, está passando por revisão no ano de 2024, de acordo com a Câmara Municipal de Porto Alegre (2024).
A criação de novas centralidades deverá se concentrar em áreas que haja potencial para o desenvolvimento econômico e cultural. É sabido que as principais regiões de atração de pessoas são os bairros centrais, norte e ao longo da Orla do Guaíba.
Estes são pontos consolidados na cidade, assim, optar pelo incentivo da evolução de outros eixos que já possuam algum elemento âncora, como, por exemplo, o SESC Protásio Alves e a Universidade UniRitter (campus sul), poderá aproximar os usos comerciais, culturais e de serviços das pessoas que moram mais afastadas dos eixos tradicionais de desenvolvimento, acarretando, na aproximação dos usos.
Um exemplo a ser seguido em relação à conexão dos nodais de transporte é o identificado no centro da cidade, onde há, no mínimo, a presença de três nodais de diferentes escalas, que são: a estação de Trem da TRENSURB (macro escala), o terminal de ônibus Parobé (média escala) e os pontos de bicicleta do “Bike Itaú” (pequena escala).
A proximidade entre esses veículos de transporte possibilita ao cidadão realizar baldeações entre si para chegar ao seu destino, caso necessário. Na escala dos bairros, essa conexão poderá ser realizada entre a circulação ativa feita pela caminhada, bicicletas e veículos motorizados.
Em relação ao transporte coletivo, já existem alguns corredores de ônibus pela cidade, como na Avenida Protásio Alves, que possibilitam agilidade nas viagens. O investimento do capital público poderá se concentrar na ampliação dos corredores e na modernização da frota, tornando-se uma ação mais certa do que investir, no momento, em transportes de grande escala como a implementação de uma malha de metrô ou ampliação da única linha de trem existente que se conecta com os municípios vizinhos.
É importante que haja um estudo futuro prevendo a ampliação da rede ferroviária, principalmente, considerando a conexão entre a linha metropolitana e algum eixo norte/sul ou leste/oeste (ligação entre cidades adjacentes e bairros de Porto Alegre).
Entretanto, segundo estudo do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) o custo de
implementação de 1 km de faixas exclusivas para ônibus é de 100 a 500 mil reais em média. Já para a implementação da mesma metragem para a malha ferroviária o serviço custará em média 6 milhões aos cofres públicos.
Além do impacto financeiro, a rede de ônibus poderá atender a população e sanar os problemas de mobilidade em um curto espaço, devido a escala da cidade e considerando que o tempo para implementar as ações é expressivamente menor do que para o transporte de macro escala.
Caso similar foi aplicado em Curitiba em relação à expansão da malha de ônibus, em que a prefeitura concentrou os seus esforços em desenvolver uma vasta rede de faixas exclusivas, modernização das paradas de ônibus e da frota existente para proporcionar conforto nas viagens aos cidadãos.
Essas ações garantiram que houvesse uma demanda maior pela utilização do transporte público ao invés da utilização de veículos particulares, uma vez que toda a rede se tornou mais eficiente para o usuário.
Por fim, a ampliação do sistema de ciclofaixas e o incentivar ao caminhar ativo são aspectos fundamentais para a promoção de um meio urbano mais sustentável, uma vez que as distâncias serão diminuídas entre os usos por meio dos incentivos da legislação e das ações no território.
Com essas medidas, os cidadãos estarão mais propensos a utilizar transportes alternativos nos seus deslocamentos. Isso não só aliviará a malha de ônibus, que passará a ser usada para percorrer distâncias maiores, como também promoverá um meio urbano mais plural e dinâmico, possibilitando que as pessoas utilizem de forma mais ativa a cidade. E favorecendo que sua construção se volte para quem realmente a ocupa, ou seja, para as pessoas que nela habitam. O que coloca o cidadão no centro do planejamento urbano.
Bruno Diniz é arquiteto e urbanista formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. No meio acadêmico desenvolveu pesquisa científica voltada para a análise urbana do conjunto habitacional Jardim Edith via Mackpesquisa, além de ser um dos autores do livro “Sustentabilidade em Projetos para Urbanização de Assentamentos Precários no Brasil”. Atualmente, atua na consultoria de certificações para empreendimentos eficientes e sustentáveis.
Crédito da foto da página inicial: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Nota
(1) O Plano Diretor Estratégico é uma lei municipal que orienta o crescimento e o desenvolvimento urbano de todo o município. Elaborado com a participação da sociedade, é um pacto social que define os instrumentos de planejamento urbano para reorganizar os espaços da cidade e garantir a melhoria da qualidade de vida da população.
Bibliografia
AMBIENTE, Instituto de Energia e Meio. Estudo sobre Faixas Exclusivas: São Paulo/SP.
2017. Disponível em: https://energiaeambiente.org.br/wpcontent/uploads/2017/01/IEMA_faixasexclusivasdeonibus.pdf. Acesso em: 02 jul. 2024.
CIRCULAÇÃO, Empresa Pública de Transporte e. Satisfação com transporte público na
Capital atinge meta de 2024. 2024. Disponível em:
Acesso em: 03 jul. 2024.
LINEU CASTELLO (Brasil). A cidade dos centros excêntricos. São Paulo: Vitruvius,
2017. Disponível em: https://vitruvius.com.br/index.php/revistas/read/arquitextos/17.193/6108. Acesso em: 29
jun. 2024.
PORTO ALEGRE. CÂMARA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. . Secretário da Smamus
apresenta revisão do Plano Diretor. 2024. Disponível em:
https://www.camarapoa.rs.gov.br/noticias/secretario-da-smamus-apresenta-revisao-doplano-diretor. Acesso em: 02 jul. 2024.
PORTO ALEGRE. Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Pesquisa de Origem e Destino
de Porto Alegre: EDOM e Linha de Contorno, 2003.
REDE NOSSA SÃO PAULO. Viver em São Paulo: MOBILIDADE URBANA. 2021.
Disponível em: https://www.nossasaopaulo.org.br/wpcontent/uploads/2021/09/ViverEmSP-Mobilidade-2021-apresentacao.pdf. Acesso em: 28 jun. 2024.
RIO GRANDE DO SUL. PREFEITURA DE PORTO ALEGRE. Diagnóstico da
Mobilidade no Município de Porto Alegre e sua Região Metropolitana. Porto Alegre,
2018. 217 p. Disponível em:
ilidade%20Urbana/4_Diagnostico_da_Mobilidade_versao_atualizada.pdf. Acesso em:
02 jul. 2024.
ROGERS, Richard. Cidades para um Pequeno Planeta. Barcelona: Gustavo Gulli S.A,
1997. 198 p. Disponível em: https://arquiteturapassiva.wordpress.com/wp-content/uploads/2015/09/cidades-para-um-pequeno-planet.pdf. Acesso em: 03 jul.
2024.
SÃO PAULO. Prefeitura de São Paulo. Secretaria de Planejamento Urbano. O que é o
Plano Diretor? 2021. Disponível em: https://planodiretorsp.prefeitura.sp.gov.br/o-que-eo-plano-diretor/. Acesso em: 03 jul. 2024.
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