Corria o Ano de 1966. Nos tempos e contratempos da ditadura civil-militar, o então Secretário de Educação do Município de São Paulo, Fausto Castilho, cuidou de convocar para terras paulistanas o Curso de Desenvolvimento Econômico da Cepal/Ilpes. Era um intensivão, aulas o dia inteiro, uma prova atrás da outra. Wilson deu aula de projetos. Quando o curso terminou, o Antônio Barros de Castro, magnífico professor, disse para o Wilson Cano: “você vai para a Cepal”. Wilson tomou, então, uma decisão temerária: me convidou para substituí-lo na Universidade Católica.
Em 1967 surgiu o convite do reitor Zeferino Vaz, através do Fausto Castilho. Estávamos convocados a criar o departamento de Planejamento Econômico.
O Zeferino tinha um espírito muito criativo e inovador. Embarcamos na aventura, João Manuel Cardoso de Mello, Fausto Castilho, Ferdinando Figueiredo Lucas Gamboa, Osmar Marchese, Éolo Pagnani, nosso Wilson Cano e o criado que ora vos fala. Fundamos o Departamento de Economia e Planejamento Econômico, o DEPE. Depois se tornou DEPES – Planejamento Econômico e Social, na UNICAMP. O Zeferino teve a coragem de entregar isso a garotos de idade entre 24 e os 30 anos de Wilson, fora os 40 ou quase do decano Ferdinando Figueiredo.
Chegaram depois, já nos anos 70, Conceição, Lessa, Castro, Luciano Coutinho, Braga, Liana, Alonso, Paulo Baltar, Jorge Miglioli, Sérgio Silva. Um pouco mais tarde, o grande amigo dos amigos, Frederico Mazzuchelli.
Juntos tivemos a ventura de assistir ao desenvolvimento intelectual e físico da UNICAMP. Acompanhamos todo o crescimento da UNICAMP e a transformação da universidade no que é hoje. Tivemos a ventura de ver nascer, crescer, se desenvolver, se diferenciar. Eu falo nós porque fomos nós mesmos. Eu não gosto de falar na primeira pessoa porque não é o caso e nem a verdade.
Homenagear meu amigo exige examinar e celebrar a obra coletiva que ajudou a construir.
O trabalho intelectual desenvolvido no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, pelos professores fundadores do DEPES, sempre foi coletivo. As teses foram discutidas coletivamente, tanto as de doutoramento como as de livre-docência. Havia um ambiente de debate muito intenso dentro do instituto, e as teses foram todas feitas em torno desses dois temas: o desenvolvimento do capitalismo contemporâneo e a situação da economia brasileira nesse processo. Nenhuma das pesquisas, na verdade, escapou desse marco. Entre elas estava o livro de Wilson que considero um exemplo impecável do pensamento cepalino-unicampista: Raízes da Concentração Industrial em São Paulo.
Sua obra é vasta e sua visão esteve sempre concentrada nas questões que incomodam os pensadores dedicados à investigação da trajetória brasileira nos marcos dos movimentos do capitalismo global. Wilson, sem dúvida, é, sim, um dos principais arquitetos do “pensamento da Unicamp”. Certamente ele concordaria que precisamos ser mais modestos. O que temos é uma linha de investigação que singularizou, ao longo da história, o Instituto de Economia. Essa linha, digamos, mais influenciada pelo paradigma da economia política, da história econômica e social, nos levou ao debate público.
Na verdade, até hoje, os vários núcleos do Instituto de Economia continuam desenvolvendo essas linhas de pesquisa. Nossa abordagem é – e sempre foi – histórico-teórica, um esforço de revisão deve ser permanente. Não cristalizamos uma matriz teórica definitivamente, a não ser a orientação geral de que a economia é uma ciência histórica, social e moral. Portanto, a teoria está sempre sujeita aos efeitos e às influências da mudança nas condições em que ocorre a vida econômica. Rejeitamos essa ideia de que nós temos uma matriz teórica imutável, a partir da qual possam ser explicadas todas as transformações que ocorrem no capitalismo e na sociedade contemporânea.
Uma estória talvez ajude a compreender a aventura coletiva. Em 1973 organizamos na Universidade o seminário Desenvolvimento e Progresso Técnico. Convidamos vários professores do exterior – Paolo Sylos Labini, Josef Steindl, Vladimier Brus, Edward Nell. Na sessão de encerramento, os estrangeiros foram para a mesa. Ficamos sentados nas primeiras fileiras: Antonio Barros de Castro, João Manuel Cardoso Mello, Ferdinando, Wilson Cano e eu. Na mesa, Zeferino cochichou algo para o Labini. Labini começou a rir e não sabíamos por quê. Encerrado o seminário, o convidei para jantar em São Paulo na Baiuca. Perguntei por que era tão divertido o que havia dito o reitor. Labini me contou às gargalhadas: “Está vendo aqueles ali? São todos comunistas, mas são bons”.
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