Tivesse Aécio Neves sido eleito, ainda que fosse por margem menor, a imprensa conservadora se apressaria em saudar a “grande vitória” e vaticinaria, com incontida alegria, a morte do “lulopetismo”. Falariam num novo começo de grande legitimidade cívica.
Mas, como foi eleita Dilma, superando, na reta final, o golpe midiático articulado por Veja et caterva, questiona-se a vitória e fala-se em “país dividido”. Desse modo, flerta-se abertamente com a ingovernabilidade e com golpes “brancos” ou de qualquer outra cor.
Dilma, corretamente, comprometeu-se com a conciliação e o diálogo. Tal compromisso não se deve à margem estreita da vitória, que não a torna menos legítima que uma votação avassaladora, mas sim ao fato óbvio de que o País está muito polarizado e atravessa uma conjuntura pouco favorável.
Nesses casos, a democracia recomenda, sim, intenso diálogo e paciente tolerância.
Em democracias maduras, as polarizações normais das campanhas são rapidamente absorvidas, após os pleitos, em processos de negociação e de articulação de consensos mínimos. A situação governa, a oposição continua a fazer oposição, mas ninguém aposta na ingovernabilidade e no enfraquecimento da democracia e suas instituições.
A democracia tem regras. Não é vale-tudo.
A principal regra para o vencedor é admitir que, ao tornar-se governante de todo o País, de quem recebeu votos e de quem não recebeu, deve-se comprometer com o diálogo, escutando todas as vozes, sem abrir mão da prerrogativa legítima de decidir.
A principal regra para o vencido é admitir a derrota e respeitar o resultado das urnas, sem abrir mão de fazer oposição pacífica, legítima e democrática.
Dilma está fazendo a sua parte, como vencedora legítima que é. Já a oposição parece ter dúvidas sobre o rumo a seguir.
Aécio, de forma responsável, reconheceu a derrota e também falou na necessidade de união. Mas o seu vice afirma que não haverá “lua de mel” ou “tréguas”. Argumenta ele que sofreu, na campanha, com mentiras divulgadas pelo internet.
Bom, se esse é o critério, Dilma e o PT deveriam ser os primeiros a propor guerra, pois vêm se sofrendo, há anos, com uma sórdida campanha de mentiras e difamações, divulgadas não apenas pela internet, mas também por setores virulentos e antidemocráticos da grande mídia.
O vice parece não estar só. Há setores radicais da oposição e colunistas da grande imprensa falando abertamente na possibilidade de impeachment e na incapacidade de a presidenta de governar um país dividido.
Nas redes sociais multiplicam-se as mensagens de ódio desavergonhado contra nordestinos, pobres e “petralhas”. Há também mensagens histéricas contra o “bolivarianismo e o comunismo que tomaram conta do Brasil”.
Tudo isso é bastante caricato. O ressurgimento extemporâneo da Guerra Fria é francamente risível. Até mesmo porque os governos do PT são bastante moderados. Misturam neodesenvolvimentismo de matiz cepalina com a clássica agenda social-democrata de repartição da renda, eliminação da pobreza e construção do Estado do Bem-Estar. Isso só é radical aos olhos dos xiitas da desigualdade e dos privilégios.
Mas não podemos rir. Há uma triste aposta política por trás desses fenômenos. A aposta na ingovernabilidade e na instabilidade que conduzam à inviabilização do mandato legitimamente conquistado.
A aposta num terceiro turno das eleições. A aposta de que Dilma não conseguirá governar e terá de sair antes de 2018. Antes que Lula possa concorrer às eleições.
É uma aposta bastante perigosa, que já vitimou muitos países, vizinhos inclusive. A oposição e a mídia conservadora detestam a Venezuela, porém há setores delas que parecem empenhados em reproduzir aqui o paroxismo político que Leopoldo López levou àquele país, com consequências nefastas para a sua democracia.
Tais tentativas de tomar o poder por meios violentos, ainda que sem a concorrência clássica das forças armadas, mostram desapreço pela democracia e suas instituições.
O mesmo desapreço exibido recentemente pela Câmara, que votou para derrubar um decreto que aperfeiçoa a democracia brasileira, regulamentando a imprescindível e já existente participação popular no governo. Feriu-se a democracia participativa, prevista na Constituição, com a finalidade única e grosseira de derrotar o governo.
Isso mostra que a presidenta terá de fundamentar mais a sua governabilidade no oxigênio das ruas e menos nos corredores abafados de um Parlamento conservador.
Mostra também que a oposição, ou seus setores mais primitivos, ainda não escolheram se apostarão na democracia ou num canhestro e perigoso terceiro turno. Se apostarão com o cérebro ou com a bílis negra de um fígado castigado pelas batalhas eleitorais.
Caso prevaleça a aposta desastrada, resulta difícil prever suas consequências políticas futuras.
Não obstante, uma coisa é certa.
Num terceiro turno, os grandes derrotados seriam o Brasil e sua democracia.
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