No Brasil, o modelo de meta fiscal é claramente inadequado para enfrentar as variações cíclicas da economia, e o debate fiscal não acompanhou a discussão internacional sobre o assunto. As polêmicas recentes em torno da contabilidade criativa e da revisão da meta fiscal são, em parte, decorrência dessa inadequação, cujo aspecto central é o caráter pró-cíclico do regime de metas.
Como em qualquer país, as receitas fiscais brasileiras acompanham o ciclo econômico: arrecada-se mais nos períodos de alto crescimento e menos nos períodos de baixo crescimento.
Mas, diferentemente de outros países, no Brasil os gastos públicos também devem se adequar ao ciclo, caso contrário, a meta fiscal não será cumprida.
Consequentemente, a política fiscal no Brasil é pró-cíclica e tende a acentuar tanto a desaceleração quanto o aquecimento da economia. Além de acentuar o ciclo, a volatilidade dos gastos públicos é também prejudicial ao planejamento público e ao bem-estar social.
Vários países adotam regimes que buscam neutralizar ou amenizar esse tipo de impacto. O Chile é um deles.
Em decorrência da crise internacional, no ano de 2009, as receitas despencaram tanto no Brasil quanto Chile (veja nota 2 no pé do texto). Nesse ano, ambos os países implementaram políticas anti-cíclicas de forma discricionária. No caso brasileiro, por meio da redução da meta de superávit.
Já os anos de 2010 e 2011 são ilustrativos do aspecto pró-cíclico da política brasileira. Em 2010, a alta do PIB gerou um crescimento de quase 30%, tanto da arrecadação, quanto do gasto. Já no ano seguinte, as despesas e receitas brasileiras cresceram em níveis muito baixos.
Enquanto isso, as despesas públicas chilenas se mantiveram bem mais estáveis do que as brasileiras, variando com menos força ao longo do ciclo econômico. Isso se deve ao arranjo institucional do regime de metas fiscais adotado em 2001.
Segundo tal arranjo, as estimativas de arrecadação fiscal descontam os efeitos conjunturais do ciclo econômico e as oscilações do preço de cobre (ver nota 3). Assim sendo, em períodos de expansão, a receita “estrutural” estimada tende a ser inferior à efetiva, o que condiciona a expansão dos gastos do governo a níveis inferiores do que tomariam corpo sem o ajuste metodológico.
Nos momentos de recessão, porém, as receitas estimadas são superiores às efetivas, possibilitando gastos maiores do que seriam possíveis (ou cortes de gastos menores em magnitude). Por isso, o modelo chileno pode ser considerado “acíclico”, pois busca descontar os efeitos conjunturais sobre a política fiscal.
Nesse contexto, a flexibilização do regime fiscal brasileiro de forma a considerar os ciclos econômicos constitui um aprimoramento institucional importante.
Essa flexibilização não implica uma maior permissividade com o gasto e com a dívida pública e, adicionalmente, permitirá um papel mais ativo da política fiscal no manejo da demanda agregada, o que implica menor volatilidade de variáveis chave como emprego, crescimento e inflação.
Como mostra o caso do Chile, país extremamente rigoroso com os indicadores fiscais, não se trata de nenhum experimento heterodoxo.
Notas
(1)DIPRES – Dirección de Presupuestos. Série de Estudos de Finanças Públicas. Una política fiscal de balance estructural de segunda generación para Chile, 2011. Disponível AQUI.
(2)DIPRES – Dirección de Presupuestos. Serie de Estudos de Finanças Públicas. Una política fiscal de balance estructural de segunda generación para Chile, 2011. Disponível AQUI.
(3)As estimativas de arrecadação fiscal são realizadas por comitês consultivos de especialistas independentes e o ajuste é feito descontando-se i) os desvios do produto esperado em relação ao produto tendencial e ii) oscilações do preço do cobre em relação ao seu preço de médio prazo (média para 10 anos) (DIPRESE, 2011).
Crédito da foto da página inicial: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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