“O objetivo de estudar economia não é adquirir um conjunto de respostas prontas para as questões econômicas, mas aprender como evitar ser enganado pelos economistas”
Joan Robinson
No 2000, estudantes franceses de economia lançaram um manifesto que exortava os economistas a saírem dos mundos imaginários, reclamava da utilização da matemática como um fim em si e não como uma ferramenta auxiliar na compreensão da economia, pedia uma abordagem plural e apelava aos professores que acordassem antes que fosse tarde. Em realidade, muitos economistas preferem o conforto de uma linguagem especializada que um leigo sequer é capaz de compreender totalmente o que é dito, quiçá refutar.
Estas críticas à economia não são uma novidade propriamente dita. Milton Friedman, inclusive, chegou a afirmar que “a economia tornou-se cada vez mais um ramo misterioso da matemática em vez de lidar com problemas econômicos reais”. Robert Solow também foi bastante incisivo:
“Hoje, se você pergunta a um economista das correntes de pensamento dominante uma questão sobre quase todos os aspectos da vida econômica, a resposta será: suponha que modelemos essa situação e vejamos o que acontece… a corrente dominante da economia moderna consiste em pouco mais que exemplos deste processo”
Em 2016, Paul Romer publicou um artigo em que argumenta que a falta de espírito científico dos economistas fez com que um macroeconomista médio de hoje saiba menos que seu equivalente de trinta anos atrás. Romer ressalta que o problema não é o fato de os macroeconomistas dizerem coisas inconsistentes com os fatos, o verdadeiro problema seria que outros economistas não se importariam de os macroeconomistas não se preocuparem com os fatos.
Nas palavras de Romer, em tradução livre: “uma tolerância indiferente ao erro óbvio é ainda mais corrosiva para a ciência do que a defesa comprometida do erro”, a ciência e o espírito da iluminação, em sua opinião, são as realizações humanas mais importantes e que importam mais do que os sentimentos de qualquer um de nós. Retomando as palavras de Romer livremente traduzidas:
“Você pode não compartilhar meu compromisso com a ciência, mas pergunte a si mesmo: Você quer que seu filho seja tratado por um médico mais comprometido com seu amigo antivacinação e seu outro amigo homeopata do que com a ciência médica? Se não, por que você deve esperar que as pessoas que querem respostas continuem prestando atenção aos economistas depois de aprenderem que estamos mais comprometidos com os amigos do que com os fatos?”
A comparação com a onda antivacinação é bastante pertinente. Da mesma forma, o argumento dos economistas da corrente hegemônica pode muito bem ser confundido com aqueles que defendem que a terra é plana (preferia a terra oca de um folclórico professor do Instituto de Economia da UFRJ). A diferença destes economistas para os céticos do aquecimento global é que estes últimos ainda encontram dificuldades de publicar suas teses em periódicos respeitáveis.
Na realidade, o discurso demasiado técnico, sem que os não especializados na temática possam contestar, ou esconde uma ignorância absoluta sobre o tema ou esconde razões ideológicas muitas vezes indizíveis.
O prêmio Nobel de economia, Joseph Stiglitz, chegou a afirmar que as escolas de pós-graduação dos EUA representam uma vitória da ideologia sobre a ciência. Não à toa que, ainda no início dos anos 1940, Michal Kalecki dizia à Sociedade Marshall em Londres que proeminentes e autointitulados especialistas ligados à banca e à indústria, ainda que sob argumentos supostamente econômicos, capitaneavam a oposição de natureza política ao pleno-emprego.
Entendemos que o que há, e a cada quadra fica mais claro, é uma incompatibilidade estrutural entre o capitalismo e a democracia. Polanyi, na mesma década, também explicava como a constituição norte-americana isolava completamente a esfera econômica de sua jurisdição – mesmo com o voto universal, os eleitores dos EUA não tinham poder contra os proprietários.
Normalmente acusam o pensamento econômico das diversas heterodoxias de ausência de cientificismo e excesso de ideologia, é o comportamento clássico do assaltante pego em flagrante que grita “pega ladrão”. É justamente esta forma de pensar que busca impor sacrifícios ao povo como a opção preferencial pela austeridade. Não há razão para políticas de corte de gastos públicos em períodos recessivos, o desmonte do Estado não se justifica por razões científicas, mas ideológicas. Como sintetiza Daron Acemoglu:
“[A] maior parte dos Estados ao longo da História e mesmo hoje em dia servem aos interesses da elite política e são parte de seus problemas econômicos, não de sua solução. Mas isso não ocorre porque o Estado é desnecessário ou mal, mas em virtude de quem o controla e de que capacidades ele tem e desenvolve”.
As ideias dos economistas ortodoxos são nocivas que chegam a contaminar até mesmo setores da esquerda no debate sobre a dívida pública. Ainda que se justifique sob argumentos políticos, uma auditoria da dívida teria efeitos econômicos no mínimo controversos. Se há problemas nos gastos com juros e encargos, boa parte dos gastos em amortizações é feita com refinanciamento. Deste modo, o detentor do título atual não tem nada a ver com eventual bandalheira da dívida original.
O peso jogado na auditoria da dívida coloca dúvidas sobre a validade de títulos públicos que, na melhor das hipóteses, provocaria um aumento na taxa de juros, justamente nosso problema central em termos de gasto público.
Ou seja, mesmo em setores que deveriam contestar o pensamento econômico dominante se embute a lógica da austeridade. Se passássemos a tratar a economia de fato como uma ciência, e não como o grau de ocultismo que hoje é apresentada, talvez já fosse pacífico que os resultados fiscais são menos relevantes que os resultados econômicos e sociais. Passou da hora de os economistas pararem de brigar com os fatos.
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