No contexto de um pleito eleitoral, em que, após pouco mais de dez anos de governo da esquerda no Brasil a linguagem dos direitos se instala como critério que habilita as candidaturas em disputa – seja pela esquerda ou pela direita – torna-se necessário integrar ao debate as experiências e as expectativas das mulheres.
E, nesse sentido, também, as contribuições que o feminismo tem a oferecer a um projeto de sociedade verdadeiramente justa e igualitária.
Em que pesem os avanços em termos da conquista de direitos, do acesso ao mercado de trabalho e do acesso à educação e à universidade, é fundamental posicionar as mulheres de forma mais ampla e profunda no cenário político, a fim de enxergar os desafios à frente.
Sem isso, será impossível atingir o objetivo da igualdade e prosperidade para todas e todos.
Na minha análise, parto da crítica elaborada pela economia feminista sobre a incidência da realidade machista e patriarcal sobre a vida das mulheres.
Uma das premissas de alguns desses estudos é que o capitalismo “incorporou a dominação patriarcal como estruturante do seu modelo econômico e de suas práticas, tendo como base a divisão sexual do trabalho, o controle sobre o corpo das mulheres e a imposição da família patriarcal e da heteronormatividade da sexualidade como modelos” (ver “Feminismo em Marcha Para Mudar o Mundo”, Nalu Faria, Revista Democracia Socialista, dezembro de 2013, p.176.)
Assim, a primeira coisa que deve ser observada quando nós, feministas, falamos em igualdade, é que estamos chamando a atenção para o fato de que as mulheres somos afetadas de maneira desigual por problemas comuns.
Na prática, isso significa que para realizar o debate sobre pobreza e desigualdade social, sobre trabalho, ou sobre desenvolvimento socioeconômico, há que se levar em consideração as especificidades que caracterizam a vida das mulheres.
Nesse aspecto, o governo do Partido dos Trabalhadores tem acertado ao fazer das mulheres as principais beneficiárias dos programas sociais desenhados e postos em prática pelo governo federal.
Apenas esta medida, sem contabilizar outras mais, já apresenta impactos significativos no que tange a autonomia econômica e financeira das mulheres, além de ter-se mostrado medida auxiliar importante no combate à violência doméstica.
É preciso notar também que se tem, aqui, um ganho em termos de cidadania, posto que as mulheres somos as principais chefas de família no Brasil – quase sempre na condição de mães solteiras.
Esse movimento do Estado indica o reconhecimento, todavia incipiente, das dificuldades enfrentadas pelas mulheres que acumulam o trabalho produtivo e reprodutivo, bem como o compartilhamento dessa responsabilidade por meio da formulação de uma política pública específica.
A desigualdade é, entretanto, persistente, está no cotidiano e ao alcance dos olhos. Apesar de sermos 46,1% da População Economicamente Ativa (PEA), segundo dados do IBGE de 2011, a defasagem salarial entre homens e mulheres é de cerca de 30%.
Ou seja: As mulheres, que somos, hoje, em geral mais escolarizadas do que os homens, ganhamos em torno de 70% dos salários deles, mesmo quando ocupamos os mesmos cargos e assumimos as mesmas tarefas.
De mais, as mulheres ainda somos exceção nos cargos de gerência e de decisão; somos discriminadas em trabalhos considerados não femininos; somos maioria no emprego doméstico; somente 28% de nós possuímos carteira assinada, e, dentre estas, 72% ganhamos menos de um salário mínimo.
Em relação às mulheres brancas, as negras enfrentam uma realidade de desigualdade ainda mais aguda. Estas ganham salários ainda menores do que os daquelas e ocupam os postos de trabalho mais desvalorizados em relação às primeiras.
Uma saída para enfrentar essa realidade é o debate sobre a despatriarcalização do Estado. Isso quer dizer refundar as instituições e suas práticas de modo a que elas sirvam para impulsionar um projeto de sociedade capaz de contemplar a liberdade das mulheres e a igualdade entre os gêneros.
Despatriarcalizar implica romper com o monopólio masculino sobre o poder, e garantir o direito das mulheres (da mesma forma que outras identidades de gênero) para decidirem sobre sua vida e seus corpos, mas também sobre economia, política e cultura.
Contudo, embora um desenho institucional adequado possa favorecer esse processo (por exemplo, garantindo a paridade de gênero nas instâncias públicas e legislativas), estamos falando da alteração de padrões culturais de vivência, além de históricos de sociabilidade, cujo sucesso depende, em larga medida, da capacidade do feminismo de agregar aliados à sua luta.
O feminismo é modo de pensamento e movimento político organizado que propõe um projeto de igualdade entre os gêneros, sem discriminação de raça e etnia, militando também pelo livre exercício da sexualidade.
O Estado não pode funcionar como agente reprodutor das desigualdades. E precisamente por isso esperamos que a visão das mulheres possa ser incorporada de modo efetivo ao próximo mandato presidencial.
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