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O Brasil e os lobos

Na experiência brasileira dos últimos 12 anos, o processo de ampliação da cidadania foi possibilitado por quatro mecanismos.

O melhoramento das condições de inclusão massiva de pessoas à economia de mercado. O encaminhamento de reformas estruturantes nas distintas esferas da sociabilidade doméstica e nas relações do Brasil com o resto do mundo. A reconstrução do Estado como lócus planejador e redistributivo ante a barbárie do mundo privado configurado pela desigualdade, pelo passado colonial e escravista, enfim, pela herança histórica do subdesenvolvimento que teima em se reproduzir na sociedade brasileira.

E, por fim, a dimensão do Estado somente completa com a permanente mobilização e participação social, quebrando os muros que separam a classe burocrática da população e, portanto, provocando mudanças de rumo tanto na formulação quanto na execução das políticas públicas voltadas para padrões civilizatórios.

A combinação desses quatro elementos (estruturação do mercado de massas, reformas de base, fortalecimento do Estado e participação social) compõe o ETHOS que dirigiu o modelo de desenvolvimento do período Lula-Dilma, capaz de equacionar tensões aparentemente inconciliáveis entre os donos do poder e a massa trabalhadora.

Direcionando as forças de mercado para a inclusão e o aumento das escalas de consumo e de produção da riqueza, tanto o estoque financeiro de riqueza herdado do período neoliberal quanto a vontade popular de cidadania representada pela ascensão do primeiro operário ao posto máximo da nação foram atendidos em suas pretensões de curto e médio prazo. Postergou-se o conflito para outro ciclo, cujo momento atual demonstra uma inflexão dessa convivência, mesmo que violenta, para um antagonismo crescente.

A inclusão de milhões de brasileiros em uma vida menos infernal é o grande motivo do despertar político das forças conservadoras e progressistas no interior da sociedade brasileira.

Estas estão diametralmente representadas pelos projetos políticos dos únicos dois partidos nacionais de natureza ideológica capazes de efetivamente disputar o poder do Estado: o PT e o PSDB.

No primeiro, reúnem-se as forças comprometidas com o avanço, ainda que contraditório, do capitalismo em patamares civilizados e em progressivo controle da massa trabalhadora sobre o destino nacional.

No segundo, a alcateia conservadora reorganizou a resistência, com uma força nunca vista desde a reeleição de seu último grande representante na era neoliberal.

A resistência conservadora reveste-se tanto da sempre elite econômica quanto de parte da classe média tradicional, mas ganhou adeptos entre as camadas populares urbanas, iludidas pela alcunha da “Nova Classe Média”, pequenos agricultores vinculados ao grande agronegócio (“Nova Classe Média Rural”) e, recentemente, a parcela de ambientalistas desconectados dos compromissos populares prometidos pelo desenvolvimentismo de Lula e Dilma.

A base econômica que unifica os lobos do conservadorismo é a mesma desde a gênese do udenismo: o rentismo patrimonialista, em suas múltiplas e modernas manifestações financeiras, imobiliárias e fundiárias.

No campo progressista, o avanço temporal das conquistas populares requer outro patamar de engajamento do Estado e da sociedade civil no controle do destino comum. Por isso, uma renovação está sendo gestada pelo campo político-ideológico do PT, premida pela necessidade de sobrevivência contra o ataque dos lobos. É questão de vida ou morte.

Avançamos progressivamente nas conquistas sociais, criamos, pelo próprio sucesso do modelo, as condições de um novo salto na superação do subdesenvolvimento, ou seremos devorados pela alcateia.

As condições dadas pelo avanço social do desenvolvimento possuem sinal inverso no campo tucano de Aécio: é o puro kitsch de Marina transmutado na barbárie neoliberal da austeridade, do desmonte dos aparelhos públicos de controle do mercado, da entrega aos interesses internacionais ao centro do rentismo global, na falácia do discurso produtivista travestida de pensamento científico.

O Brasil depende de uma nova batalha contra os lobos do Brasil. A capacidade de o PT oferecer ao próprio processo de mudança social as condições de superação de suas contradições herdadas pela passagem de um tempo transformador e criador de novas identidades é intrínseca às necessidades históricas do projeto de democracia popular, colocado para o Brasil desde sua organização moderna sob a égide do trabalhismo.

O empoderamento desse campo depende de compromissos corajosos, assumidos pela candidatura de Dilma, que buscam completar o processo de redemocratização iniciado há mais de três décadas: a reforma política, a mãe de todas as reformas de base, é peça central na plataforma de Dilma e é a chave para a passagem do ciclo político atual para um de maior capacidade civilizatória.

Mas não somente a reforma política, é necessário radicalizar o processo social redistributivo, transcendendo a superficialidade da renda do trabalho para a democratização da propriedade privada (coibindo grandes fortunas) e do acesso a bens públicos de qualidade.

Necessário combater os lobos com o fortalecimento do Estado sob a égide da cidadania, mediante tanto um radical sistema de participação da sociedade civil nas decisões estatais, especialmente aquelas voltadas para o orçamento público, como também a democratização das comunicações, pela universalização da banda larga na internet e na regulação econômica dos meios tradicionais.

A quebra radical dos privilégios virá de mais distribuição, mais Estado democrático, mais participação social, mais ativismo internacional voltado para a mudança das posições globais estabelecidas pelo sistema interestatal. Neste segundo turno, diante dos lobos à espreita, digo alto que o caminho do progresso – do contraditório progresso – está nas mãos de Dilma.

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