Jumentos em risco de extinção e o avanço da China no NE
- Joacir Rufino de Aquino
- 7 de jul.
- 4 min de leitura
Além da “motorização” do campo, outro fator que está contribuindo para agravar o problema da redução drástica da população dos jumentos é o abate e a exportação da carne e de derivados da pele, principalmente para a China
Os asininos ou jumentos (Equus asinus) são animais que fazem parte da história econômica do Brasil e, especialmente, do Nordeste. Todavia, a sua população se reduz ano a ano e a espécie corre até o risco de extinção por conta do abandono e de sua transformação em mercadoria para o grande capital asiático.
Os dados dos censos agropecuários do IBGE sobre os rebanhos de jumentos mostram que, ao nível de país, eles somavam 1.420.449 cabeças, em 1970, caindo para 376.874, em 2017. Isto representou uma variação negativa no período de -1.043.575, ou seja, -73,47% da população desses animais.
Note-se que a taxa de redução elevada manteve-se no final do século XX e nas primeiras duas décadas do século XXI, quando a população de jumentos pela primeira vez nos últimos 50 anos saiu da faixa de pouco mais de um milhão de animais para o patamar registrado no último censo agropecuário, uma queda de –65,92% entre 1995 e 2017.
Em 2017, os jumentos restantes no território nacional ainda estavam localizados majoritariamente no Nordeste, que abrigava 86,65% do total, distribuídos com graus variados nos nove estados da região. Mas eles também continuavam presentes com certa expressão em Minas Gerais e no Pará, com 4,05% e 3,11% do total, respectivamente.

As explicações para a queda da população de jumentos no Brasil e no Nordeste são diversas. Em outra oportunidade, procuramos demonstrar que as secas, o êxodo rural e as mudanças nos meios de transporte têm levado a um gradativo abandono e a substituição por carros e motocicletas desse tipo de animal, que foi desde tempos remotos um dos pilares de sustentação das atividades produtivas da agricultura familiar nordestina (https://www.omossoroense.com.br/artigo-a-crescente-presenca-das-motocicletas-no-rural-nordestino/).
Mais recentemente, contudo, outro fator de significativo impacto está contribuindo para agravar o problema para além da “motorização” do campo: o abate e a exportação da carne e de derivados da pele dos jumentos, principalmente para a China.
Como tem sido veiculado na imprensa nacional, “o costume chinês de consumir uma gelatina medicinal chamada eijao - remédio preparado com a pele dos jumentos - representa ameaça à existência desses animais, uma vez que a demanda pelo produto tem crescido ano após ano”.
A referida situação, em nada alvissareira, mostra que a fome do capital chinês pelo Nordeste não tem limites e apresenta múltiplas facetas. Isso porque na refeição principal eles já estão devorando parte de nossa floresta de caatinga com os desmatamentos decorrentes de seus bilhões de dólares investidos em megaprojetos de energia renovável (solar e eólica). E agora, se não bastasse, e por ironia do destino, estão importando a carne e a pele de nossos jumentinhos para transformar em gelatina e servir como sobremesa.
Aonde essa procura dos chineses pelos recursos naturais do Nordeste vai parar? Na atual conjuntura, parece que ninguém sabe ao certo a resposta para essa pergunta tendo em vista que as previsões de mega-investimentos em diferentes campos econômicos não param de crescer. Porém, no caso dos jumentos, se nada for feito, estimativas indicam que eles podem desaparecer da paisagem rural sertaneja. Tal risco dispara o alerta de que é preciso evitar a extinção desse animal símbolo do Nordeste, que, como bem lembrou Luiz Gonzaga, também é nosso irmão.
Sendo assim, diante do preocupante cenário retratado e enquanto os projetos de lei proibindo a matança da espécie para o comércio de carne não entram em vigor, vale à pena transcrever alguns trechos da música famosa do eterno Rei do Baião, em apologia aos nossos indefesos irmãos de quatro patas:
“É verdade, meu senhor
Essa história do sertão
Padre Vieira falou
Que o jumento é nosso irmão
Ãoãoãoãoãoão
O jumento é nosso irmão
Quer queira ou quer não!
O jumento sempre foi
O maior desenvolvimentista do sertão!
Ajudou o homem na lida diária
Ajudou o homem
Ajudou o Brasil a se desenvolver
Arrastou lenha
Madeira, pedra, cal, cimento, tijolo, telha
Fez açude, estrada de rodagem
Carregou água pra casa do homem
Fez a feira e serviu de montaria
O jumento é nosso irmão!
E o homem, em retribuição
O que é que lhe dá?
Castigo, pancada, pau nas pernas, pau no lombo
Pau no pescoço, pau na cara, nas orelhas
Ah, jumento é bom, o homem é mau!
(...)
Jumento, meu irmão, eu reconheço teu valor!
Tu és um patriota! Tu és um grande brasileiro!
Eu tô aqui, jumento, pra reconhecer o teu valor, meu irmão
Agora, meu patriota, em nome do meu sertão
Acompanho o seu vigário, nesta eterna gratidão
Aceita nossa homenagem
Ó jumento, nosso irmão, ão, ão, ão, ão, ão, ão.”
Joacir Rufino de Aquino é professor da UERN, sócio do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento e membro do Instituto Fome Zero (IFZ).
Crédito da foto da página principal: Câmara dos Deputados/Divulgação
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