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Desafios do quarto mandato

Acabado o período eleitoral e seus balanços, é preciso avançar no debate de governo. Para isso, vamos partir de dois fatos concretos instigados pela própria agenda eleitoral: desde 2002, os eleitores do PT estão mudando de perfil (isso é de conhecimento público) e, em evento com menos destaque, os governos do PT também têm mudado o perfil do eleitorado.

Este artigo quer discutir ambos os temas antes de tratar do governo. É preciso analisar a mudança de perfil do eleitor que apoiou as ações de governo e perceber que o perfil do próprio eleitor brasileiro mudou para, então, poder falar de novo governo, adequado a ambas as mudanças.

André Singer ajuda a entender um lado do problema. O autor escreveu sobre o perfil do eleitor petista em Os sentidos do Lulismo. Neste livro, defende que houve um realinhamento eleitoral depois da vitória de Lula em 2006.

Baseado na opção conservadora, o primeiro governo Lula decidiu não confrontar o capital e restringiu-se à adoção de políticas de redução da pobreza que teve como consequência um “realinhamento eleitoral” da sua base social.

Estes dados aparecem claros na segunda eleição e Lula (dando origem ao Lulismo, diferente do Petismo), quando os votos das classes médias se afastaram e o voto dos pobres se alinhou.

Já em 2006, se aceitarmos a tese, o PSDB é o partido preferido das classes médias e o PT o partido do subproletariado e da agenda social (que teria se tornado a principal responsável pelo modelo de governo, bem como sua fonte de capital eleitoral).

O problema de interpretações baseadas em resultados eleitorais é o voto como a fonte da análise. Ao colocarem-se diferentes eleições com base de dados, ignoram-se quatro anos de distância entre uma e outra.

Ou seja, ignoram-se as mudanças geracionais e a própria trajetória social dos eleitores.

De 12 anos pra cá muita coisa mudou. O índice de Gini, por exemplo, de 2003 a 2010, caiu de 0,581 para 0,5274 – 0,0607 em oito anos de governo Lula, o que é muita redução de desigualdade.

Em 2002 eram aproximadamente 26 milhões de miseráveis no Brasil, hoje são cerca de 10,5 milhões. A renda média do trabalhador também aumentou e o salário mínimo cresceu. Enfim, milhões de pessoas tiveram sua realidade alterada no período que engloba as últimas quatro eleições.

Mas, também, temos diferenças regionais significativas. Um eleitor pobre ou mesmo de classe média baixa de São Paulo que votou em Lula em 2002 aparenta comemorar pouco. Sua vida melhorou? Talvez a sensação de melhora que conte seja pequena ou desconfortável ao se considerarem os problemas urbanos.

Já o Nordeste do Brasil tem previsão de crescimento de 7% só para 2014, fora as mudanças ao longo de todo o período. O Bolsa Família no interior não é só um programa social, tem estimulado a economia.

A geração de emprego e renda no Nordeste atinge as políticas sociais de saúde, educação, infraestrutura etc. Neste cenário, não foi só o pobre que se beneficiou, mas as classes médias também.

Outro setor menos sensível ao voto no governo neste momento é o jovem. Depois de 12 anos de avanços sociais consolidados, um jovem que conhecia e se contrapôs às políticas neoliberais dos anos 1990 hoje é um adulto em pleno mercado de trabalho.

Comparar o jovem que hoje não vota no PT com o jovem que votou no PT não tem nenhuma base científica, porque as gerações estão completamente alteradas na estrutura social. Não conseguem perceber a diferença em relação ao período anterior a 2002, quando o desemprego era alto e as universidades eram elitizadas, sucateadas ou caras.

A discussão a respeito da relação entre as políticas de governo e a base social é imprecisa se pensarmos em termos de alinhamento eleitoral. O importante é o debate sobre o alcance das políticas públicas e como isso transforma o próprio eleitor. Ou seja: devemos focar o debate no modelo de governo e sua base social.

Neste sentido, é preciso admitir que o atual modelo depauperou-se. As políticas sociais de combate à miséria e redução da pobreza, embora necessárias e de valor inegável, já não têm o mesmo efeito sobre o modelo econômico.

Em pouco tempo, mesmo no Nordeste, os programas sociais não irão além dos próprios beneficiários (hoje ajuda a alavancar o consumo interno e estimula investimentos e emprego).

O argumento serve também para tratar o atual modelo de aumento do salário mínimo e o crédito de baixa renda. Ou seja, o Lulismo está em vias de ser superado pelo seu próprio sucesso.

Já no primeiro governo Dilma houve mudanças ao apoiar o setor nacional desenvolvimentista. Buscou-se o empresariado nacional como base de apoio na burguesia e na classe média.

Não teve o efeito esperado: as desonerações não foram suficientes para estimular o consumo interno e a aposta na retomada do crescimento com pacotes de incentivo, parcerias e obras governamentais não gerou efeitos multiplicadores.

Nos três primeiros governos, Lula e Dilma foram perspicazes em perceber o conservadorismo dos eleitores e trabalharam sob um modelo de desenvolvimento sem grandes mudanças estruturais.

Mas, aparentemente este projeto alcançou o seu limite. Agora, para avançar, pode ser preciso abandonar a conciliação e entrar em algum grau de enfrentamento.

Esse é o gargalo do segundo governo Dilma e sua principal fragilidade: a base social em transformação que vai exigir uma postura inovadora.

É neste quesito que as avaliações aparecem equivocadas: não temos uma nova classe média que não depende do Estado; temos novos pobres (diferentes dos antigos subproletários da base do governo Lula), mas reivindicando novas políticas públicas.

Para esses novos pobres, nosso modelo político precisa criar mecanismos efetivos de ação que ainda não existem. Ou seja, para o governo Dilma ter uma narrativa própria, desta vez torna-se inevitável uma agenda para enfrentar barreiras impostas pelo capital oligopolista, verticalizado e internacionalizado do mercado brasileiro.

Crédito da foto da página inicial: Fabio Rodrigues Pozzebom/EBC

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