Em novembro de 2019, foi protocolada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – no Supremo Tribunal Federal (STF) visando a unificar o teto salarial dos servidores de todas as instituições públicas de ensino superior do país. Segundo a ação, o valor do subsídio mensal dos ministros do STF já é referência hoje para os servidores de várias universidades federais. Na prática, a ação visa, então, a aumentar as perspectivas salariais nas instituições estaduais e torná-las equivalentes àquelas nas instituições federais, tendo como limite o próprio teto dos ministros do STF.
A autoria do pedido é do Partido Social Democrático (PSD) em articulação com o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp). Portanto, é um pleito liderado pelas instituições de ensino superior do Estado de São Paulo. A argumentação se baseia no critério de isonomia, a saber: apesar de as instituições paulistas terem elevadas posições em classificações nacionais e internacionais, estariam sob o risco de “fuga de cérebros” e migração para congêneres federais por maiores remunerações.
A respectiva ADI teve relatoria do ministro Gilmar Mendes e obteve medida cautelar deferida pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, no dia 18 de janeiro de 2020. Cabe observar que a decisão foi em caráter liminar como responsável pelo plantão dado o período de recesso. Posteriormente, haverá análise em plenário que poderá rever a decisão recente, mas ainda não há data definida. Enquanto isso, o entendimento anterior conferido pela da Constituição Federal fica alterado. Especificamente, a nova interpretação suspende a aplicação de regra de subteto aos professores e pesquisadores das universidades estaduais até então baseada no subsídio mensal do Governador. Em valor atualizado, a decisão garante possibilidade de remunerações máximas em até R$ 39,2 mil.
Apesar de uma decisão alvissareira no campo da garantia de direitos, é preciso ponderações para evitar falsas euforias. A definição de um novo e maior teto retira um impeditivo normativo, mas não garante que ele será efetivamente adotado. No final, a decisão sobre reajuste de remunerações e subsídios sempre será política e baseada numa previsibilidade orçamentária. No caso do Estado do Rio de Janeiro, a possibilidade atual de isso ser adotado provavelmente será vetada em circunstância do Regime de Recuperação Fiscal – RRF. Ele é baseado na que, em seu inciso VIII do art. 8, veda qualquer aumento de remuneração além da revisão anual assegurada pelo inciso X do art. 37 da Constituição Federal.
Cabe enfatizar que o RRF possui forte cunho fiscalista. Na prática, sua adoção implica o “congelamento” salarial, logo, na desconsideração do critério de isonomia implicado na ADI 6257. Essa compreensão é reforçada pela observação que nem a permissão para essa revisão anual vem sendo realizada desde sua assinatura, enquanto o governo federal, outros governos estaduais e alguns governos municipais já fizeram nos últimos anos.
Afinal, a , que regulamenta essa revisão, dispõe no inciso IV do art. 2 que precisa observar a seguinte condição: “comprovação da disponibilidade financeira que configure capacidade de pagamento pelo governo, preservados os compromissos relativos a investimentos e despesas continuadas nas áreas prioritárias de interesse econômico e social”. Portanto, mesmo a disposição de uma exceção autorizativa para revisão anual no RRF é muito mais para não haver risco de um questionamento de inconstitucionalidade. Na prática, continua-se dependendo de decisão política que, respeitando condições de severa austeridade, revela-se com probabilidade bastante reduzida (salvo uma inflexão positiva nas receitas de forma surpreendente).
Por essa razão, temos que tratar a discussão com muita seriedade porque a população, pelo próprio processo democrático, passa a separar sua avaliação de competência pela situação eleitoral: elege o prefeito para o problema da cidade, o governador para o problema do estado, e não entende que às vezes o raio de ação do governador é muito limitado (ainda mais sobre as restrições impostas pelo RRF). Isso significa a necessidade de ser debatido um comprometimento e responsabilização maior da esfera federal ante as crises de estados e municípios.
Merece destaque que a justificativa do ministro Toffoli para a decisão liminar favorável na ADI 6257 se baseou na defesa do modelo constitucional de federalismo cooperativo. Sendo assim, o ministro considerou que o sistema educacional de ensino superior é nacional, logo, não cabendo distinção entre direitos remuneratórios entre diferentes entes federativos. Caso seja possível uma discussão que implique a revisão da lei federal complementar 159/2017, ou seja, uma renegociação dos termos do RRF, é fundamental que a defesa do federalismo cooperativo seja também posta no centro do debate.
Em de 2019, enfatizei que o RRF não se trata de nenhum socorro para o Rio. Por ele, a União não assume responsabilidade nem compromisso em superar a grave situação socioeconômica. Comporta-se apenas como credora. Diante disso, alertei que não há só uma crise das finanças públicas. E mais, ela não será resolvida sem considerar que falta uma estrutura de planejamento consolidada e há uma dimensão federativa e uma dimensão econômico-produtiva na raiz da crise. Esses são os desafios para que a garantia no campo dos direitos, como pleiteadas na ADI 6257, não esbarre na resiliência da ideologia da austeridade a qualquer tentativa de ser superada pelo pacto social e seja convergente com uma visão estratégica para o desenvolvimento estadual.
Crédito da foto da página inicial: Fernando Frazão/Agência Brasil
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