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Foto do escritorBrasil Debate

‘A Petrobras nasceu do desejo nacional de termos um futuro’

Por Pedro Rossi, Tadeu Porto e Davi Carvalho

“Não entendo por que o Visconde de Sabugosa nunca foi escolhido para dar nome a uma refinaria. Em 1938, Monteiro Lobato escreveu o livro ‘Poço do Visconde’, que não apenas dá aulas sobre a geologia do petróleo como põe a turma da dona benta para lutar pelo petróleo no sítio do Pica-Pau Amarelo. E ali já aparece a briga entre a turma nacional do petróleo e as multinacionais. Aquele livro a minha geração leu e foi pra rua defender o petróleo. Monteiro Lobato dialogava com gente que dizia que o país não tinha capacidade para gerir uma empresa de petróleo… A Petrobras nasceu da imensa afirmação nacional de termos um futuro” (Carlos Lessa)


Carlos Lessa, Ex-presidente do BNDES (Lucio Bernardo Jr./Agência Câmara)

Carlos Lessa. Foto: Lucio Bernardo Jr./Agência Câmara


Um dos maiores economista brasileiros da atualidade e ex-presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Carlos Lessa, como muitos de sua geração, viu a Petrobras ser criada e se tornar a gigante da área de energia no mundo. Em entrevista exclusiva ao Diálogo Petroleiro, reproduzida no Brasil Debate, Lessa brinda os leitores com uma sofisticada capacidade de análise política, econômica, geopolítica e histórica sobre o Brasil, o petróleo, a Petrobras e o cenário global atual.

Ele explica como os interesses financeiros e não brasileiros agem sobre a estatal e os riscos que o Brasil corre se entregar o Pré-sal aos interesses estrangeiros: “A energia é a chave para qualquer futuro, e entregar essa chave é o que a direita mais quer agora”. Otimista declarado, vê nos sonhos e luta dos jovens um fator catalisador para a mudança que pode levar o Brasil a um novo padrão de desenvolvimento, econômico, social e ético.

Leia, a seguir, a entrevista:

Diálogo Petroleiro: A sua geração foi para a rua defender a tese de que o petróleo era nosso, mas os jovens de agora, os estudantes, os universitários, os secundaristas não abraçaram a ideia de que o petróleo tem que ser nosso…

Carlos Lessa: Eu acho que a Nova República terminou. No sentido de que ela apareceu alimentando-se de dois enormes sonhos: queríamos acabar com o autoritarismo e recuperar os direitos civis. A Constituição de 1988 consagrou isso. As novas gerações já nasceram nesse contexto e os direitos civis têm uma característica parecida com o ar: só percebe-se que ele é fundamental quando ele falta. Não se agradece a disponibilidade do ar o tempo todo. Depois que todos têm ar pode-se reclamar que tá com cheiro de fumaça, que não está na temperatura desejada, pode melhorar ali e aperfeiçoar aqui, mas não se percebe a importância dessa conquista fundamental, a primeira após o fim da ditadura. Essas gerações não têm ideia do que é não ter os direitos civis. Por isso não os valoriza.

Como mudar isso?

Conquistamos os direitos civis? Sim! E ao conquistar banalizou-se essa conquista e as críticas se dão pelas insuficiências, afirmando a necessidade de que é preciso ampliar os direitos. Não tenho nada contra, mas precisamos entender que eliminamos o autoritarismo da vida brasileira. Esse foi o primeiro objetivo da Nova República. O segundo foi resgatar a dívida social, que era uma percepção do grupo de Ulisses Guimarães.

Por que o petróleo não tem mais a solidariedade popular que teve no passado?

Eu acredito que por várias razões, e uma delas porque teve sucesso. Ser da Petrobras é sentido pelo povão como estar próximo ao paraíso. Na leitura escandalizada do momento é participar da roubalheira. A ideologia da direita cola na ideia de que há um setor em que as pessoas nadam de braçada em termos de emprego e os caras de cima roubam de braçada. Por que eu vou pra rua defender isso? É preciso a ideia de nação, mas quem a defende?

Mas a ideia da Petrobras nacional ainda foi importante e determinante nas últimas eleições?

Ainda colou, mas está cada vez mais fraca. Nós sabemos que o petróleo e a Petrobras podem ser a melhor frente para uma reindustrialização do Brasil. Mas essa é uma noção que não é mobilizadora. Aliás, atualmente, no discurso dominante as chaminés estão sendo abominadas.

Na realidade, qual o grande problema por trás desse discurso hegemônico?

A energia é a chave para qualquer futuro. A oferta energética tem que crescer à frente de sua utilização para que a economia sustente o seu crescimento. A economia da energia, isoladamente, é disparada a economia mais importante que existe. E o petróleo é um os principais componentes. Nós temos três bacias hidrográficas, um potencial hidroelétrico colossal e agora a “mão de Deus” nos revelou o Pré-sal. Nós somos um pedaço do planeta potencializado pela distribuição do petróleo e da energia e ninguém está discutindo isso.

E a ideia do fim o petróleo como fator limitante para a continuidade dos investimentos e fatiamento da Petrobras?

O petróleo vai ser extremamente importante sempre. Mesmo que o carro elétrico se torne realidade continuará existindo outros três mil usos para o petróleo. O carvão, combustível da primeira revolução industrial, não deixou de existir com a segunda revolução industrial e, ainda hoje, é extremamente importante. E a direita passa a ideia: “consuma porque vai acabar”. Isso é pra entregar o petróleo e a soberania nacional.

Mas eu sou otimista. Porque as novíssimas gerações de brasileiros perceberão que não há para onde os brasileiros irem. Se a ideia da globalização fosse honesta, o mercado de trabalho seria uno. Mas não é. É cheio de muros e barreiras em todos os lugares. O capital circula, mas o trabalho não e, num momento de crise, o trabalho fica circunscrito ao espaço onde ele surgiu. Os brasileiros precisam entender que essa ideia de se exceder para o mundo não é ruim, mas primeiro tem que resolver a fome dos brasileiros. É muito simples, mas as ideias muito singelas saíram de moda. Uma ideia precisa continuar central para os brasileiros: o petróleo é a nossa principal riqueza para construirmos o nosso futuro.

Por que a Petrobras se tornou essa grande empresa tão desejada?

O principal motivo foi que ela ficou com o monopólio do mercado brasileiro. É fundamental ter um mercado a seu serviço e como o Brasil é a sétima economia do mundo; autorizar a Petrobras a explorar esse mercado fez dela a gigante que é. Fizemos nosso mercado interno ser da Petrobras. Por isso que querem liquidar com ela, cortando pedaços da companhia. Então, ou a ideia do projeto nacional de desenvolvimento incendeia as novas gerações ou estaremos arruinados.

Os jovens precisam defender a ideia de que “o Brasil é nosso”, por extensão o petróleo também. A geração que tem hoje cerca de 50 anos vive numa gosma e os mais jovens precisam ser protagonistas do Brasil que desejam viver no futuro. Pra isso é fundamental colocar os temas brasileiros para serem tratados na agenda nacional. Os temas que estão aí não são brasileiros. O pior é que nem se coloca algum tema para se discutir a sério. Quem acha que é razoável o Eduardo Cunha ser disputado pelos tucanos para fazer impeachment e pelo Palácio para não haver? O Brasil depende dessa pessoa?

Você se diz otimista, então, que aprendizado tira do momento atual da Petrobras?

A história da Petrobras no Brasil é de imenso sucesso e ter servido para desvelar a corrupção está prestando um enorme serviço ao futuro da República brasileira, porque se as novas gerações disserem “queremos mais limpeza no Brasil” vamos começar limpando do andar de cima para os debaixo. Se quisermos limpar uma escadaria, é preciso limpar primeiro o andar de cima, senão você suja o andar de baixo. E não dá para subir de pé sujo. Quem cola não pode subir, quem dá suborno para cancelar multa de trânsito também não pode. Quem sonega imposto não pode subir. O que eu quero dizer é que a escada só fica limpa se você vier limpando de cima para baixo e não sujando de baixo para cima. Essa lição as novas gerações vão descobrir.

Mas é preciso saber aonde se quer chegar. Ter uma escada limpa pra ir aonde?

Do meu ponto de vista, ter um projeto nacional é fundamental, mas como se chega lá? Dependemos de duas coisas: você ter profundo comprometimento com o sonho do futuro e uma absoluta objetiva para perceber as restrições do presente. Porque você se move a partir de restrições. Pra isso temos que planejar e planejar não é escolher em qual cenário vai apostar, mas sim ter clareza de onde quer chegar e onde se está e o que é necessário fazer para ligar os dois pontos.

E pra esse movimento ter mais sentido é preciso discutir a identidade nacional, é fundamental. É preciso discutir o que é ser brasileiro. Voltar a colocar essa questão na ordem do dia. As respostas dadas em outro momento foram provisórias. Sempre são, porque ser brasileiro é uma construção contínua. É um conceito em evolução. Ou a juventude assume que o Brasil é dela ou estamos perdidos.

“A ideia de que os recursos energéticos estratégicos devem estar sob controle nacional já estava presente no positivismo gaúcho do século 18. Para eles a infraestrutura tinha que ser pública, porque eles achavam que o Rio Grande do Sul precisava de um porto bem equipado. Getúlio [Vargas] foi formado e impregnado por essa visão. Depois, com a semana de arte de 1922, reafirma-se que o Brasil tinha sim vocação para um futuro. Quero dizer com isso que a Petrobras não surge do nada. Ela vem de uma consciência que era alimentada desde o tempo do império.” (Carlos Lessa)

Crédito da foto da página inicial: Caros Amigos

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