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Foto do escritorWagner de Alcântara Aragão

Três exemplos de como a lógica do capital detona espaços de convivência

Atualizado: 2 de ago.


O Santa Marina, em São Paulo; o Botafogo, em Natal; o Portuários, em Santos: todos ameaçados de perderem suas áreas de esporte e lazer

São cada vez mais raros nas cidades os clubes e outras formas de associativismo de bairro ou de classes operárias. E os remanescentes estão longe de serem preservados. Ao contrário. Espaços de convivência, lazer, cultura e esporte mantidos pela própria comunidade, e que dão a esta um sentido de pertencimento ao local onde vive, seguem na mira do capital.


Citaremos três deles, sendo que dois obtiveram repercussão nacional porque foram objeto de um episódio recente do Profissão Repórter – por sinal, disparado o melhor programa jornalístico da televisão brasileira. Um terceiro caso ainda ecoa pouco, o que é uma pena, pois envolve terrenos da União – portanto, de toda a nação brasileira.


Os dois casos tratados pelo Profissão Repórter (edição de 22 de agosto de 2023) são o do Santa Marina Atlético Clube, no bairro da Água Branca, várzea do Rio Tietê, em São Paulo, e o do Botafogo Futebol Clube da Vila de Ponta Negra, em Natal. O terceiro prejudica a Associação Atlética dos Portuários de Santos, no Jabaquara, na cidade litorânea paulista.


No caso do Santa Marina, temos a típica indiferença do capital e do capitalismo às histórias das pessoas, a culturas locais. O clube tem 110 anos, originado dos operários da antiga Vidraria Santa Marina, fundada em 1895, e sua sede é contígua à área da fábrica (de marcas conhecidas, presentes nas cozinhas do Brasil: Marinex, Duralex).


Nos anos 1960, a empresa foi comprada pela multinacional francesa Saint-Gobain.

O clube ocupa apenas 4% do terreno, conforme mostrou o Profissão Repórter. Mesmo assim, e mesmo sabendo do verdadeiro patrimônio histórico e cultural que aquele pedacinho de convivência comunitária representa, a multinacional requereu na Justiça reintegração de posse. Pior: obteve. O momento do cumprimento do mandado foi registrado pela reportagem: foi doído ver o povo, em especial as crianças, indo às lágrimas de tanta tristeza.


Em tempo: a Saint-Gorbain fatura no Brasil mais de uma dezena de bilhões de reais. Em 2021, a receita foi recorde, segundo noticiou a mídia especializada (Valor Econômico, Exame e outros veículos), chegando a R$ 15 bi, ou 40% mais que no ano anterior.


No caso do Botafogo da capital potiguar, uma imobiliária alega ser dona do terreno ocupado por uma cancha de futebol. O imbróglio judicial dura 20 anos. A comunidade, de acordo com o que mostrou o Profissão Repórter, contesta. Segundo moradores do entorno que se utilizam do campo, há mais de 70 anos o espaço é de uso coletivo. A área está ao pé do Morro do Carece, em Ponta Negra, das regiões mais cobiçadas pelo mercado.


Já o terreno utilizado pela Associação Atlética dos Portuários e, em parte, também pela Associação Atlética Portuguesa Santista, pertencia à antiga Companhia Docas de Santos, empresa privada que administrou o Porto de Santos por 90 anos (até 1980). Com o término da concessão, foi constituída a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), empresa pública federal. Com isso, o patrimônio da antiga Docas foi incorporado à União.


Desde os anos 1970, o terreno era utilizado como espaço de esporte e lazer, principalmente pelos trabalhadores portuários associados ao clube. Sem transparência nem diálogo com a comunidade – para que o povo, como proprietário da área, definisse sua destinação – o Ministério da Economia, na gestão Paulo Guedes, pôs o terreno à venda.


O leilão ocorreu há exatos dois anos (agosto de 2021), vencido pelo Grupo Peralta, que anunciou instalar ali shopping e condomínio. Ou seja, uma das raras áreas livres na zona urbana insular de Santos para atividades esportivas corre o risco de se transformar em mais uma caixa de concreto, como são os shoopings centers (a “caverna”, como bem definiu José Saramago), a serviço dos negócios imobiliários. O Ministério Público Federal chegou a ser comunicado, a fim de que verifique a legitimidade da transação.


Em todos os três casos, como se vê, a preservação dos espaços para uso coletivo e comunitário está por um triz. Só a mobilização popular para garantir que o bem comum se sobreponha a interesses econômicos particulares e imediatos. Acompanharemos.


Wagner de Alcântara Aragão é jornalista e professor. Mestre em estudos de linguagens. Licenciado em geografia. Bacharel em comunicação. Mantém e edita a Rede Macuco.


Crédito da foto da página inicial: Facebook do Santa Marina Atlético Clube, em São Paulo. 

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