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Segurança pública, política criminal e garantia do direito à vida

Pesquisas recentes dão conta de que a questão da segurança pública é apontada como a principal preocupação para um em cada quatro brasileiros. A percepção social é de que a criminalidade aumenta e as instituições responsáveis pela garantia da segurança pública não estão em condições de enfrentar o desafio – colocando em questão governos, as polícias e o poder judiciário.

A dimensão subjetiva nem sempre corresponde ao que de fato acontece no âmbito das relações sociais. Não é o caso, no entanto, da questão da violência e da criminalidade no Brasil. Dados recentes apontam que, no ano de 2012, mais de 56.000 pessoas foram mortas de forma intencional, aumentando as já elevadas taxas de homicídio que atingem, sobretudo, os mais jovens e negros.

Quando os integrantes da Assembleia Nacional Constituinte, no pós-ditadura, elaboraram nossa Carta Magna, afirmaram o desejo de um Estado de bem-estar social, arrolando direitos civis, políticos e sociais e apontando os caminhos institucionais para a sua concretização.

No entanto, foram mantidas as mesmas estruturas policiais e a mesma divisão de atribuições, que já se demonstravam inadequadas para a garantia do direito à segurança. Com relação às polícias, o art. 144 da CF referendou a divisão do ciclo de policiamento, dando às polícias civis as atribuições relacionadas com a investigação criminal e às polícias militares o policiamento ostensivo.

A divisão interna das estruturas policiais pelo sistema de dupla entrada, que separa oficiais e praças e delegados e agentes, somada à falta de mecanismos efetivos de controle interno e externo da atividade policial e à não responsabilização de policiais que praticaram tortura no período militar, são aspectos que dificultaram as necessárias mudanças para a melhoria da taxa de esclarecimento de crimes – como o homicídio – e a redução dos níveis de violência abusiva praticada pela polícia.

Entendemos que os avanços ocorridos nas últimas décadas foram significativos. Dentre eles merecem destaque o protagonismo maior do governo federal na área, elaborando planos e induzindo a sua implementação pelos Estados, e a participação maior dos municípios na efetivação de políticas de prevenção ao delito no âmbito local.

Também houve aumento do investimento em formação policial, com a constituição da Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública, a criação do Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública), o que garante uma maior transparência e abrangência na produção de dados no setor, além de algumas inovações pontuais efetuadas nos chamados territórios da paz, como os programas de Justiça Comunitária e de foco prioritário na disputa de adolescentes com o tráfico.

Outro avanço foi dar visibilidade e prioridade à violência contra a mulher, com novas experiências importantes de implementação das medidas protetivas previstas pela Lei Maria da Penha.

Observamos, ainda, a aprovação de algumas leis importantes, tais como a lei 12.403 de 2011 que regulamentou a utilização das Medidas Cautelares no Processo Penal diversas à prisão; a criação do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura pela lei 12.847/2013 e a sanção da lei Nº 12.962/2014, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente com o objetivo de assegurar a convivência da criança e do adolescente com os pais e mães privados de liberdade.

Estes são importantes exemplos de leis aprovadas que representam avanços do ponto de vista da expansão dos direitos e garantias dos acusados. Vale frisar que alguns destes projetos tiveram intensa discussão da sociedade civil desde o início da redação até a aprovação da lei.

Ao mesmo tempo, foram aprovadas leis extremamente problemáticas do ponto de vista dos direitos humanos, tais como a Lei 12.654/2012, que prevê a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal, ou a Lei 12.694/2012 que criou a figura do chamado “juiz sem rosto”. As leis transformaram exceções em norma e buscam meios absolutamente inadequados e emergenciais para responder à sensação de insegurança, sob a qual, por exemplo, não somente os juízes se encontram, mas demais profissionais que atuam no sistema de justiça criminal. O Estado Democrático de Direito não deve pautar sua política criminal pela urgência e exceção.

Faltaram ainda iniciativas mais efetivas para enfrentar a superlotação carcerária e apoiar o egresso do sistema penitenciário. E não se efetivou a consolidação de um Sistema Único de Segurança, para dar permanência e organicidade às inovações.

Carecemos ainda de medidas de acompanhamento da aplicação destas novas leis no interior das organizações que compõem o sistema de justiça criminal, pois, mesmo que uma lei represente um avanço em termos de direitos e garantias fundamentais dos acusados – o caso da Lei de Medidas Cautelares em 2011 – é necessária a sua aplicação pelos juízes e promotores, o que raramente acontece. Em Sergipe, por exemplo, a porcentagem de presos provisórios atualmente ainda é de 43% após 3 anos da aprovação das Medidas Cautelares.

Como se vê, muito ainda há por fazer em segurança pública e política criminal. É preciso ter consciência de que a inação no campo da segurança pública, em um contexto de altas taxas de criminalidade, dá margem ao populismo punitivo e ao discurso fácil dos defensores da lei e da ordem, que evidentemente não reduz crimes, mas rende muitos votos e apoio às proposições conservadoras de endurecimento penal no Congresso Nacional.

Para enfrentar esta disputa, é necessário afirmar um programa de reformas com ampla participação da sociedade civil, tendo como norte a consolidação e ampliação do Estado Democrático de Direito que deve atualmente incluir: i) a desmilitarização das polícias; ii) a ampliação do esclarecimento dos crimes contra a vida; iii) fim dos autos de resistência; iv) mudanças substanciais na atual lei de drogas; v) o fortalecimento e legitimação dos mecanismos institucionais de mediação de conflitos alternativos à prisão.

É em torno destas questões irá se definir a possibilidade de desprivatizar o direito à segurança, garantir o direito à vida de modo mais universal e diminuir drasticamente a população prisional do Brasil nos próximos anos.

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