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Por que insistimos na reforma agrária

A reforma agrária ainda é uma das grandes questões da sociedade brasileira. Um tema trazido pela primeira vez ao debate público por José Bonifácio e até hoje sufocado por uma casta de insensíveis que inventam justificativas mil para negar o pão a tantos brasileiros.

E se em tempos de crescimento econômico a reforma agrária é necessária, em tempos de desemprego e crise ela é urgente. Trata-se de uma política que fortalece o combate à miséria tanto na via da produção de alimentos como na inclusão produtiva. Constitui-se ainda como uma importante ferramenta auxiliar para enfrentar os constrangimentos do processo inflacionário.

Diversos estudos econômicos sobre economias de escala na agricultura demonstram que a grande propriedade possui custos crescentes de escala. Custos de gerenciamento, logística e mão de obra, a imprevisibilidade meteorológica e a volatilidade dos preços internacionais são alguns fatores que nos permitem afirmar que o setor agrícola não possui características de uma atividade capitalista no senso comum.

Ademais, todas as nações cujo padrão de desenvolvimento é idealizado pela grande maioria da sociedade brasileira passaram por um processo, quase sempre radical, de democratização do acesso à terra. Isso serve inclusive para explicar à nova direita brasileira porque não existe MST nos EUA: lá também houve reforma agrária.

A nova direita, aliás, gosta de nos lembrar sempre da meritocracia e usa o equilíbrio de mercado como mecanismo de justiça social, mas esquece das distorções na distribuição inicial da riqueza. Ou seja, não é possível debater meritocracia sem que as dotações iniciais sejam ajustadas adequadamente para um resultado eficiente e socialmente mais justo. Não é possível debater meritocracia sem falar de reforma agrária.

As terras agriculturáveis estão se esgotando no atual modo de produzir. O seu avanço sobre as florestas nas fronteiras agrícolas, ainda que aumentem a produção de alimentos no curto prazo, não se sustenta no longo prazo. O padrão de produção agrícola hoje esgota o solo com suas monocultoras a base de agrotóxicos e transgenia, envenena a terra, a água e os alimentos que consumimos.

É fundamental discutir uma reorganização da produção de alimentos do país num paradigma agroecológico, com uma produção familiar de alimentos saudáveis, livres de produtos químicos, gerando emprego e renda.

Para além destes argumentos tradicionais, os mecanismos institucionais e programas existentes no Brasil permitem que pensemos ainda a reforma agrária como propulsora do desenvolvimento local, linha auxiliar no desenvolvimento tecnológico e ferramenta complementar de política industrial.

Neste sentido, algumas iniciativas vêm sendo anunciadas pelo governo federal que, se efetivadas, lançam expectativas alvissareiras para o desenvolvimento do país. Recentemente, o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) anunciou o Plano de Desenvolvimento Integrado do São Francisco com investimentos de até R$ 1,8 bilhão em cinco anos em 270 assentamentos em 87 municípios do Médio e Baixo São Francisco, nos estados de Alagoas, Pernambuco, Sergipe e Bahia.

Este plano busca promover o desenvolvimento local, a partir de arranjos e sistemas produtivos e inovativos locais estruturantes, voltados prioritariamente para o público da reforma agrária na área citada. E o Incra vem preparando iniciativas semelhantes para outras regiões do país.

Muitas dessas atividades poderiam, por exemplo, ter sua autonomia energética garantida por meio da energia solar, fortalecendo a cadeia produtiva associada a uma matriz de energia limpa e renovável.

Mudando o foco para a região Amazônica, onde vive boa parte das famílias hoje assentadas e é um espaço rico em biodiversidade (entre outros recursos estratégicos), mas que desperta a cobiça externa. O Brasil deveria ter urgência em articular um amplo mapeamento e registro da biodiversidade amazônica (sua variedade genética), pois esta representa uma potencial oportunidade para a engenharia genética, a biotecnologia e a nanotecnologia, inclusive para o desenvolvimento de fitoterápicos e para a absorção de conhecimentos a partir das comunidades tradicionais.

Neste sentido, cria expectativas positivas a recente assinatura de uma cooperação entre o Incra e a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) para fomentar a pesquisa, a cooperação técnico-científica, o desenvolvimento de tecnologias e inovações no uso sustentável da biodiversidade, em especial em plantas medicinais e fitoterápicos. Neste segmento de fitoterápicos, a baixa e decrescente participação desses produtos no mercado farmacêutico brasileiro é um exemplo inequívoco de desperdício econômico.

Ademais, os mercados no mundo onde os fitoterápicos mais crescem são exatamente os mercados dos países mais desenvolvidos – EUA, Alemanha e Japão, onde nossos produtos de maior valor agregado têm menor espaço.

Se conseguirmos, de uma forma justa e equilibrada, estruturar uma indústria brasileira de fitoterápicos competitiva, o Brasil poderá se tornar um dos principais produtores e fornecedores de produtos fitoterápicos para o mercado mundial e a reforma agrária pode ser uma parceira estratégica deste processo.

De uma forma ou de outra, uma reforma agrária atualizada para o século 21, para além dos benefícios sociais já conhecidos, poderá atuar como um catalisador de um desenvolvimento agroindustrial nos interiores do país fortalecendo arranjos produtivos e inovativos virtuosos até transformar-se numa peça importante para uma política industrial em busca da fronteira tecnológica, como no caso dos fitoterápicos.

É preciso entender que não queremos uma reforma agrária para coitadinhos, mas para garantir o desenvolvimento independente e emancipatório de todo o povo brasileiro. Por esses argumentos e pelas quase um milhão de famílias trabalhadoras rurais que não possuem terra, que insistimos na reforma agrária.

Crédito da foto da página inicial: MST

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