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Foto do escritorThiago de Menezes Ramos

Policarpo Quaresma ajuda a explicar o fanatismo patriótico aos princípios do Direito?

Atualizado: 8 de ago.


Ao longo de sua vida, Quaresma, personagem de Lima Barreto, não atentou às consequências práticas de sua visão idealizadora e ingênua sobre o país. A busca por um ensino jurídico crítico, contextualizado e reflexivo poderá aproximar o Direito da realidade

Lima Barreto, principal expoente do Pré-Modernismo, continua sendo um dos autores mais instigantes da literatura brasileira. Por meio de obras pautadas em uma linguagem precisa e, até mesmo, ácida, o autor teceu críticas às mazelas sociais do Brasil nas primeiras décadas do século XX, como nepotismo, corrupção, clientelismo e privilégios políticos. Esses problemas permanecem atuais.


Policarpo Quaresma é, sem dúvidas, o personagem mais famoso do autor, mas que teve seu triste fim. Sua criação pode ser útil para que qualquer leitor(a), minimamente atento(a), perceba os riscos do fanatismo, inclusive, do fanatismo patriótico ou da visão romantizada aos princípios gerais do Direito.


Quaresma era um funcionário público, apaixonado quase que cegamente pelo país. Um ufanista convicto. Valorizava as riquezas do Brasil, elogiava as nossas heranças e raízes culturais e defendia ao máximo os detentores do poder político. No entanto, faltava-lhe um elemento: a postura crítica diante dos acontecimentos sociais, ou seja, havia uma ingenuidade que o impedia de ter uma postura reflexiva sobre os problemas concretos que assolavam o país.


De certo modo, essa postura romantizada, acrítica e idealizadora existe também entre os operadores do Direito – não só juízes – em relação à força normativa dos princípios gerais do Direto, como o famigerado princípio da supremacia do interesse público e o princípio da dignidade da pessoa humana.


Muitos princípios são caracterizados pela indeterminação de seu conteúdo. Há uma vagueza que ofusca os limites da sua aplicação e que, por sua vez, pode comprometer a segurança jurídica dos administrados. Se existe uma aparente oposição entre a segurança jurídica dos particulares e a capacidade criadora dos operadores do Direito, então é necessário que toda aplicação de um dado princípio basilar seja justificada em cada caso concreto.


Não basta que princípios sejam utilizados por si só, como se fossem categorias jurídicas autossuficientes e autorreguladas. É preciso que os operadores do Direito (juízes, advogados, defensores públicos, promotores de justiça) estejam atentos às consequências práticas de suas decisões, tanto nas esferas judiciais como nas administrativas. Em outros termos, uma dose de ceticismo, de desconfiança que se transveste na importância do consequencialismo jurídico.


Ao longo de sua vida, Quaresma não esteve atento às consequências práticas de sua visão idealizadora e ingênua sobre o país. Percebeu isso ao final da vida, ceifada de modo abrupto por oficiais no Rio de Janeiro durante a Revolta da Armada. Eis o Triste Fim de Policarpo Quaresma, que de tanto acreditar no país, morreu imerso a sentimentos de angústia e decepção.


Nesse sentido, qual seria o possível triste fim do ordenamento jurídico se o fanatismo e a fascinação patriótica aos princípios permanecerem arraigados na cultura de construção do Direito no Brasil? Esse é um questionamento pretensioso, mas que deve ser uma preocupação de operadores do Direito engajados com o desenvolvimento do país. A busca por um ensino jurídico crítico, contextualizado e reflexivo é um caminho para aproximar o Direito à realidade.


Thiago de Menezes Ramos é advogado, professor universitário. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Tiradentes.


Crédito da foto da página inicial: Divulgação/”Policarpo Quaresma, Herói do Brasil”, filme de Paulo Thiago, com Paulo José, Giulia Gam e outros.

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