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O golpe de Estado na Bolívia e o papel da OEA

O domingo do dia 10 de novembro de 2019 é o marco do retorno dos golpes de Estado de cunho militar na América Latina do século 21, cuja base é a extrema violência da direita latino-americana. Tudo se deu, a título de pretexto, a partir do Relatório da Organização dos Estados Americanos (OEA), da Secretaría para el Fortalecimiento de la Democracia (SFD), intitulado Análisis de Integridad Electoral Elecciones Generales en el Estado Plurinacional de Bolivia 20 de octubre de 2019 , que abriu caminho para o golpe militar no fatídico 10 de novembro.

Segundo o Relatório da OEA – “Más Derechos para Más Gente” -, o objetivo era analisar os seguintes componentes: “A. Autenticidad y confiabilidad de las actas de escrutinio, así como de los datos ingresados al sistema de transmisión de resultados electorales y al sistema de cómputo oficial; B. Plan de custodia integral de todo el material electoral (actas, papeletas, registro de electores); C. Infraestructura y funcionamiento de los sistemas informáticos utilizados para la transmisión de resultados preliminares y el cómputo oficial; D. Flujo de la carga de datos de los resultados electorales preliminares y del cómputo oficial.

Na primeira análise, o foco foi o “Sistema de Transmisión de Resultados Electorales” e o relatório é tachativo: não é possível dar certeza aos resultados do Sistema de Transmisión de Resultados Electorales Preliminares (TREP) (No es posible dar certeza de los resultados del TREP).

Na segunda, sobre “Cómputo oficial”, o relatório afirma que existem 14 pontos de inconsistência, como, por exemplo: ausência de “boas práticas”, inexistência de teste de software; os testes não tinham um processo formal de aceitação de software; dentre outros, que resultou, novamente, numa posição categórica da instituição: Atento ao acúmulo de irregularidades observadas, não é possível garantir a integridade dos dados e garantir os resultados. (Atento al cúmulo de irregularidades observadas, no es posible garantizar la integridad de los datos y dar certeza de los resultados).

Na terceira, com “Análisis de Tendencias en el TREP”, o relatório afirma que são altamente improváveis os resultados dos últimos 5% dos votos. Pois, nessa fase, o partido do Evo Morales, o Movimiento al Socialismo (MAS), havia obtido vantagens em relação ao partido da oposição, da aliança Comunidade Cidadã, do candidato Carlos Mesa.

En el último 5% del cómputo, 290,402 votos fueron contabilizados. De estos, Morales ganó 175,670, es decir un 60.5% de los votos, mientras Mesa obtuvo solamente 69,199 votos es decir un 23,8%. En otras palabras, en el último 5% de votación, Morales incrementa el promedio de votación en un 15% comparado con el 95% anterior, mientras Mesa cae en una proporción prácticamente igual. Este comportamiento es muy inusual”.

Todavia, como o próprio relatório da instituição não fornece um anexo metodológico para comprovar seus próprios resultados, que a propósito são chamados de Resultados Preliminares (Hallazgos Premilinares), ou seja, ainda não completos, as análises contidas nele lançam também algumas dúvidas.

A primeira é sobre o tipo de modelo usado para classificar o processo eleitoral boliviano. Não é fornecido o conjunto referencial para o modelo de “boas práticas” e os métodos mais usuais de qualificação do processo eleitoral e das metodologias praticadas no mundo. No relatório parece haver o emprego considerável de técnicas metodológicas de caráter exploratório que buscam analisar os dados para extrair possíveis inclinações principais, mas que não podem resultar em afirmações categóricas. No máximo, podem sugerir uma tendência, e só.

Nesse particular, o mais grave não é o relatório em si, mas forma em que ele foi usado. Como uma organização que se baseia nos quatro pilares da democracia, direitos humanos, segurança e desenvolvimento, a OEA mostrou completa falta de tato com a situação. Diferente do que foi feito, ao emitir uma nota exógena sugerindo fraude do processo eleitoral e inflando ainda mais a violência e radicalização do processo político. A OEA, ciente da ebulição social no país, poderia apresentar os Resultados Preliminares primeiro ao governo e propor que o mesmo convocasse a eleição com vistas a garantir a paz e segurança.

As razões para o ocorrido parecem ser as mesmas de sempre e os dados ajudam a explicar. A Bolívia já vinha melhorando sua condição socioeconômica desde o ano 2000 e ganhou consistência com a primeira vitória eleitoral de Evo Morales, em 2006. A extrema-pobreza e a pobreza caíram, na média, cerca de 67%, uma redução impressionante conforme visto nos gráficos 1 e 2.

Outro indicador que justifica o golpe contra o progresso boliviano foi a redução da distância de renda entre ricos e pobres. A desigualdade caiu aproximadamente 29% ao longo do período e 22% na era Evo.

O mais inegável foi o crescimento da riqueza interna do país. Com Evo Morales, o Produto Interno Bruto quase dobrou e expandiu 76,6%, com um acréscimo de US$ 34 bilhões de dólares, similar ao PIB do país no ano de 2000. Evo foi expulso deixando a Bolívia como o país que mais cresceu relativamente na América Latina nos últimos anos.

Por esse ângulo, é fácil explicar o que houve no país. O perfil do crescimento econômico progressista com a distribuição de renda e riqueza ativou os velhos mecanismos do subdesenvolvimento. O primeiro deles consiste nos privilégios, onde é inconcebível para classe média boliviana – que se considera rica e branca – assistir pobres indígenas obterem acesso aos serviços básicos da vida; o segundo é o revanchismo em não aceitar o processo democrático, pois estão acostumados a quebrar as regras para satisfazerem seus falsos egos de supremacistas; o terceiro é o medo latente da independência e crescimento cultural dos povos excluídos (originários); e por fim, a pilhagem da riqueza interna da população por uma porção pequena das famílias bolivianas (ricas) com suporte irrestrito do imperialismo norte-americano.

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