Se há algo de enigmático na atual conjuntura econômico-política brasileira é o fato de a Petrobrás ter sido “aceita” pelo complexo petrolífero mundial como empresa-líder na exploração de petróleo em grande escala no Atlântico Sul.
Deve-se lembrar que o negócio do pré-sal foi “descoberto” por brasileiros (Petrobrás), mediante aceitação de riscos de todas as ordens, inclusive tecnológico.
A partir da “descoberta”, houve discussão sobre a nacionalidade das águas onde se assentam as reservas minerais. Em princípio, liderados pelos EUA, europeus “aceitaram” tacitamente o território como brasileiro e permitiram às instituições do País legislar sobre a exploração. Poderia ter sido diferente, mas o Brasil se ofereceu como necessário para ancoragem de infraestrutura on-shore para manutenção, reparo, transbordo etc.
Em desfecho favorável para contencioso internacional de longa data, a legitimação da “propriedade do mar” em favor dos brasileiros permitiu aos brasileiros (Petrobrás) coordenação dos interesses das grandes petroleiras internacionais no bolo do pré-sal. Mais uma vez a negociação favoreceu o País, mantendo-se a Petrobrás como holding nos principais campos de operação.
Esta posição permitirá ao sistema aproveitar instalações da Petrobrás atualmente disponíveis, as quais constituem a maior parte do parque de exploração, refino, transporte e distribuição de hidrocarbonetos no País. Permitirá ainda estabelecimento de responsabilidade nos consórcios, reservando-se aos brasileiros liderança tecnológica e inversões de grande monta em capital fixo. Ou seja, o resultado do leilão de Libra representa celebração de associação internacional supostamente duradoura e abrangente.
O fato de os EUA não terem participado diretamente na exploração do campo de Libra apenas reforça a hipótese de que há delegação de responsabilidade aos brasileiros (Petrobrás) para que o pré-sal seja incorporado ao planejamento macroenergético global (China e Europa, principalmente). Há razões para que a Europa e a China encontrem no Atlântico-Sul suprimento seguro de energia – em caso de conflito militar amplo no Oriente Médio, nem China nem Europa seriam pressionadas por falta de produção própria.
Dessa maneira, o cronograma de cumprimento dos investimentos no pré-sal não pode atrasar indefinidamente, de maneira a permitir encadeamento com investimentos globais realizados pelos novos entrantes do setor no País. Atrasos demasiados podem prejudicar interesses do Estado norte-americano no Oriente Médio em médio prazo.
O objetivo deste artigo é analisar o aparente paradoxo estabelecido entre a associação internacional recentemente firmada e a crise política montada para prejudicar a participação brasileira no pré-sal.
Contra os interesses do complexo petrolífero internacional
Dois aspectos incomodam a indústria de petróleo internacional. O primeiro trata do grau de verticalização da Petrobrás, que compreende segmentos rentáveis como logística (Transpetro) e canais de distribuição (BR Distribuidora) e, portanto, encontra-se com “reservas de mercado” que elevam barreiras de entrada das petroleiras internacionais no mercado brasileiro de energia.
Esta é uma questão importante face às margens do segmento, que giram em torno de 40% na comercialização de combustíveis e derivados, adicionando-se valor e provendo escoamento para a atividade de refino.
O segundo é a exigência de conteúdo nacional mínimo nas licitações realizadas pelos brasileiros (Petrobrás). Ainda que as regras de conteúdo mínimo venham sendo burladas mediante “maquiladoras” que apenas realizam montagem final no País, a simples especificação de equipamentos pelos brasileiros já favorece a indústria nacional em detrimento de outros arranjos de assembling-outsourcing disponíveis aos demais petroleiros internacionais.
Se a desvalorização do Real é inevitável, boa parte dos custos do setor encontram-se indexados ao dólar. Desta maneira, há pouco espaço para substituição de importações de maneira “natural ou espontânea”, sem indução ativa do Estado. Ingredientes como tecnologias proprietárias demandam investimentos arriscados em projetos de produto e processos, a serem compartilhados por toda a cadeia produtiva de bens de capital para o setor.
O que querem os banqueiros?
O Golpe Civil instituído no Brasil após as eleições presidenciais restabeleceu políticas macroeconômicas neoliberais favoráveis aos interesses financeiros internacionais.
A percepção de que o Brasil encontra-se insolvente em dólares (o rombo em transações correntes será de cerca de US$ 80 bilhões em 2015) levou os banqueiros internacionais a concertarem ataque via grande imprensa sobre os grandes grupos nacionais de engenharia, responsáveis e principais beneficiários das políticas públicas nos últimos cerca de 10 anos.
A reversão do ciclo de investimentos públicos em infraestrutura ocorreu no momento em que as principais obras de energia e logística foram equacionadas. Completado o ciclo de investimentos para o grande capital exportador, a continuidade dos investimentos se deslocaria para melhoria devida dos mais pobres nas cidades brasileiras (transporte, educação, saúde, iluminação pública, saneamento etc).
O aumento nos juros deve-se assim não ao combate contra a inflação, mas para atração de capital financeiro de curto prazo. Adicionalmente, o plano parece ser o de recuperar a bolsa de valores brasileira mediante reinauguração de novo cronograma de venda de ativos públicos. A repetição das políticas adotadas durante a década de 1990 não é mera coincidência. Acontece que a agenda agora avançará sobre a Caixa Econômica Federal, a Petrobrás e a Eletrobrás.
No caso das duas últimas, propõe-se venda de controle nas subsidiárias, com abertura de capital, e preservação de controle público nas holdings, que assumiriam parcela do negócio mais arriscada e menos rentável. Com isso, seriam gerados substanciais recursos para o Tesouro em decorrência de pagamento de dividendos, sem que houvesse qualquer tipo de gestão nacionalista (conteúdo nacional ou verticalização).
O aumento nas taxas de juros e o aperto fiscal irão gerar desemprego, porém isso é exatamente o esperado pelos tecnocratas financeiros. A hipótese confessa é que os salários são os principais responsáveis pela inflação brasileira. Com isso, pretende-se diminuir o poder de barganha dos sindicatos com aumento no desemprego, levando-se a barateamento de custos principalmente para o grande capital. O efeito colateral é a diminuição do consumo, das importações e, portanto, colaborar para o “ajuste” nas transações correntes.
Naturalmente, a tecnocracia que ocupou o núcleo de poder da República não responde às urnas, nem é preciso. A mídia de massas foi poderosamente mobilizada em defesa do golpe, reforçando-se denúncias, aprofundando e aumento a abrangência de crise política.
Conclusões e proposta
Aos interesses internacionais do Petróleo há razões para desmontagem tanto dos requisitos de nacionalidade da produção de bens de capital, quanto na desverticalização da Petrobrás, com aquisição de ativos de logística (Transpetro) e distribuição (BR Distribuidora).
Há, portanto, razões para convergência entre os interesses internacionais do petróleo e da banca. Esta promoverá a venda de ativos em energia no Brasil e o complexo petrolífero internacional será comprador.
De outro lado, os brasileiros, apoiados nos únicos remanescentes entre os principais grupos empresariais nacionais, encontram-se sem meios para sustentação das políticas que promoveram distribuição de riqueza. Feridas de morte, as principais empresas públicas encontram-se igualmente paralisadas e excessivamente endividadas, sem condições de levar adiante os investimentos para a retomada da industrialização no país.
Caminho diverso se oferece ao Governo eleito como artifício para preservação do interesse dos brasileiros. Há a possibilidade de oferta pública para recompra de ações pelo Tesouro Nacional (BNDES, BB) da Petrobrás, seguida de fechamento de capital. Aproveitando-se do baixíssimo preço alcançado nos pregões bursáteis, o governo eleito pode realizar chamada pública para todo o capital da empresa por menos que 20% de prêmio sobre os preços praticados no mercado.
Conforme se pode perceber na Tabela 1, a composição do capital da Petrobrás em poder do setor privado monta 7,05 bilhões de ações. Caso o preço de compra a ser anunciado seja de R$12 (20% acima dos R$10 recentemente observados), o tesouro teria que desembolsar cerca de R$ 85 bilhões para adquirir a parcela das ações em poder do “mercado”.
Para que a operação seja viável economicamente para o Tesouro, bastaria que o preço das ações subisse em cerca de R$ 6,00, alcançando-se cerca de R$ 18,00, bastante abaixo dos preços-alvo definidos pelos próprios bancos de investimento antes do Golpe Civil (R$ 25,00 por ação).
Em resumo, o Tesouro Nacional poderia, nesta alternativa, não apenas restabelecer as propostas vencedoras nas urnas como também viabilizar futuros superávits primários.
Apesar disso, esta alternativa não parece viável mediante os riscos (“quase certeza”) de fuga dos capitais de curto-prazo, em resposta a ações de afirmação da soberania nacional e em defesa da renda e do emprego dos brasileiros.
Considerando-se que o Congresso Nacional também tenha sido subjugado pelo Golpe Civil, a manutenção da ameaça a impedimento do Governo eleito já parece suficiente para inibir a solução desejada pelo País.
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