A revista The Economist publicou recentemente um artigo em que menciona a ocorrência de uma contrarreação ao projeto de globalização bem-sucedido nas últimas décadas, contestação como a que ocorreu no século passado contra uma “primeira globalização”. O “efeito 1914” aludido na seção chamada Buttonwood (referência à arvore debaixo da qual se fundou Wall Street), dedicada aos assuntos do mercado financeiro, seria a reação representada principalmente pela eleição de Trump e pelo Brexit aos progressos dessa suposta globalização.
Em 1914, a emergência de um tipo particular de nacionalismo foi o estopim, mais do que o assassinato do arqueduque Franz Ferdinand, para a eclosão da Primeira Guerra. Os progressos do livre mercado, de 1980 a 2008, agora contestados, poderia nos levar a uma outra guerra mundial num curto espaço de tempo.
A história narrada na revista é interessante na medida em que culpa os inimigos errados. Quer dizer, então, que a globalização, ou seja, a força que move o imperialismo hoje, é contra a guerra, ao contrário de 1914? Trump é um perigo (por isso, Russian-gate), o Irã (novamente a mesma história…) e a China via Coreia (e nada da ocupação estrangeira no Mar da China?). O projeto de globalização, de unificação de mercados e não de povos, de uma união política forçada por uma união monetária, falha na Inglaterra e, logo, quem se expressa são eleitores reacionários, nacionalistas que beiram a xenofobia e abominam o “progresso”? O fato de a União Monetária Europeia entrar em crise pode deslanchar uma guerra? Isso parece mais uma ameaça da The Economist do que um alerta.
A China propõe amplos projetos de desenvolvimento conjunto como o projeto da Nova Rota da Seda, com altos níveis de tecnologia aplicados, fora seu programa espacial, e a saída seria a criação de novas tecnologias? Mas aonde? Com o Vale do Silício, que não dá emprego a ninguém com as famosas empresas “.com”? Com mais financeirização da economia, com os contínuos resgates bancários, das imposições da Troika, da lei Dood-Frank, dos Q.E. de Obama? Com trilhões em derivativos, resultado dessa mesma política dos “muito grandes para falir”, se amontoando cada vez mais e ameaçando uma crise de liquidez ainda maior?
Não dá para ler qualquer texto da The Economist sem o mínimo argumento crítico. Para eles, a era de ouro é a de Regan e Tatcher até a crise de 2008, quando sua hegemonia foi colocada em questão: com Trump, com Brexit, com a parceria russo-chinesa e, ainda antes, com todo o ciclo da esquerda sul-americano, iniciado com Chávez, e que trouxe para o palco da política mundial tantos “populistas”, quiçá terroristas, na verdade uma leva de “corruptos” como se costuma chamar todos dessa corrente política? Tudo fora da desregulamentação desenfreada para eles não vale.
Logo, é o Império novamente, com sua globalização, que ameaça fazer guerra, seja no front sírio, nos Bálticos, com as provocações na Ucrânia, no Mar da China, e espalha uma rede de terroristas (atentados que flertam com o fake, com os não-fatos, com os simulacros) mundo afora para fazer aumentar a tensão e novamente apontar como culpados o nacionalismo, o populismo, a defesa da soberania nacional.
Podemos recontar com outros nomes, com outras referências, a história ou a ameaça velada nas páginas da revista dos financistas britânicos: McKinley foi assassinado em 1901, último presidente da facção de Lincoln; Bismarck, que de uma plataforma liberal adotou o protecionismo no estilo dos EUA do séc. XIX (dos irmãos Carey, de Frederich List) e também industrializou seu país, foi demitido. O império tinha que colocar a Rússia contra a Alemanha, então acéfala, e financiar boa parte do bolchevismo para manobrar a política russa com mais facilidade. As provocações da virada do século XIX para o XX foi um meio de o império fazer romper esse jogo virtuoso, com Bismarck, a continuação das políticas de Hamilton e Lincoln, com a parceria entre Sergei Witte e Gabriel Hanotoux para a construção da ferrovia transiberiana e do projeto ainda não levado a cabo, a ferrovia que ligaria Berlim a Bagdá (a mesma interligação euroasiática prevista nos projetos da Nova Rota da Seda). Estes foram os projetos, nacionalistas, que deram a dinâmica econômica ao século XIX.
A Primeira Guerra foi um modo de interromper esse ciclo; a Segunda Guerra, a de estabilizar o mercado financeiro com governos altamente militarizados, daí a generosidade dos bancos estrangeiros com a dívida alemã depois que Hitler assume o poder, daí também seu patrocínio por grandes fundos, com os da família judia dos Warburg, o papel da Prescott Bush na venda e financiamento de armas para o regime nazista, e o silêncio de Churchill até Hitler perder o controle e se voltar não apenas contra a Rússia, que era o objetivo, mas contra a Europa. Sem a liderança de Roosevelt, o “homem esquecido”, talvez os planos britânicos tivessem dado certo e a potência euroasiática, a Rússia, e o país mais industrializado da Europa, teriam se destruído para a glória da Grã-Bretanha e de seus livres-mercadistas.
Não dá para engolir as palavras do império, mais uma louvação da globalização, mais um lixo – e uma ameaça grave – produzida direto da City de Londres e de seus porta-vozes em Wall Street, a revista The Economist. Com certeza, sem um nítido projeto nacional e de cooperação entre os povos, como na parceria BRICS, orientado para o futuro, continuaremos convivendo com a desintegração financeira e com as ameaças de guerra. Continuaremos vivendo o contínuo conflito social que hoje é realidade em quase toda a América do Sul, porém não menor nos EUA dos desempregados e subempregados, da epidemia de drogas e suicídio entre a classe média, e na Europa que tem contra seu “projeto” a crise de imigrantes, todo o lado leste de sua fronteira que é ignorado cegamente desde a suposta vitória das liberdades democráticas ocidentais com a queda do muro de Berlim.
Crédito da foto da página inicial: Sputnik/publicado na EBC
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