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O buraco da saúde é mais em cima

Publicado no Projeto Colabora em 8-7-2016

O ministro Ricardo Barros mirou no lado errado da pirâmide social ao sugerir a criação de um plano de saúde popular – de cobertura limitada, destinado aos pobres –  como forma de diminuir os custos da União com o SUS. Seria mais simples lutar pelo fim de pelo menos parte dos subsídios à saúde que beneficiam, principalmente, a parcela da população que tem mais dinheiro.

Ao invés de criar mais uma despesa para os pobres, o ministro da Saúde deveria dar uma lida no recente estudo elaborado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao Ministério do Planejamento) e pela Receita Federal que revela quanto o financiamento da saúde tira de todos para dar aos ricos e remediados.

Organizada pelos economistas Carlos Octávio Ocké-Reis e Filipe Nogueira da Gama, a “Radiografia do gasto tributário em saúde” revela, com base nas declarações de 2013, que as isenções fiscais ou gastos tributários (dinheiro que o governo abre mão de arrecadar) no setor chegaram a R$ 25,4 bilhões de reais. Isto representou 30,5% dos gastos federais com a saúde.

O valor inclui benefícios fiscais à produção de medicamentos e a hospitais filantrópicos e também os gastos patronais com a saúde de seus funcionários – estes valores podem ser abatidos do imposto de renda das empresas. Uma parcela significativa da isenção beneficia aqueles que pagam planos de saúde ou que têm dinheiro para bancar consultas médicas – essas despesas também são integralmente abatidas do imposto de renda das pessoas físicas.

E não é pouco dinheiro. Dados relativos às declarações de 2016 disponíveis no site da Receita Federal mostram que o abatimento das despesas médicas de pessoas físicas fez com que o governo deixasse de arrecadar R$ 11,24 bilhões. Isso representa cerca de 11% de tudo o que foi investido no SUS no ano passado.


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Para simplificar: todos os brasileiros – inclusive os mais pobres, já que é impossível fugir de algum imposto – financiam a assistência médica dos que têm mais dinheiro. Os R$ 400 que paguei no mês passado por uma consulta médica me serão reembolsados no ano que vem, quando eu fechar minha declaração de renda.

A grana que ao longo de 2016 eu usar para pagar o meu plano de saúde também será devolvida lá na frente.  No fim das contas, essas minhas despesas serão rachadas com todos, inclusive com você, caro (a) leitor (a) (obrigado, valeu mesmo!).  O mecanismo é perfeito para beneficiar apenas os que dispõem de mais grana –  só receberá o dinheiro de volta quem, no fim das contas, tiver imposto a pagar e fizer a declaração no modelo completo.

O faxineiro que trabalha no meu prédio pode até conseguir dinheiro para pagar uma consulta, mas, como seu salário é baixo, estará isento do imposto e, portanto, não receberá seu dindim de volta – a devolução só beneficia quem tem imposto a pagar. Da mesma forma, muitos dos que vierem a aderir ao plano meia-boca proposto pelo ministro também não poderão receber o dinheiro de volta – o benefício, repito, é só para os que ganham mais e, no fim das contas, têm imposto a pagar.

A mesma lógica permite o abatimento de uma parte das despesas com escolas particulares – este ano, o governo vai devolver R$ 3,80 bilhões aos brasileiros que, no ano passado pagaram escolas particulares. Em 2013, o valor total das deduções previstas no imposto de renda das pessoas físicas ficou na faixa dos R$ 37 bilhões, bem mais do que os R$ 24,5 bilhões que foram investidos no Bolsa Família. O Bolsa Rico ganhou de goleada do Bolsa Pobre.

E, por falar em isenções fiscais, outro dia quase matei um gringo de susto ao contar que, aqui no nosso país, toda a população contribui de forma compulsória para o pagamento de benefícios aos empregados domésticos.  Sim, a lei permite que o empregador abata de seu imposto a pagar o que gastou com a previdência social de quem cuida de sua casa (desconto limitado ao valor relativo à contribuição referente a um salário mínimo).

O estrangeiro, jornalista como eu, deve ter duvidado de minha seriedade quando lhe disse que, no Brasil, toda população ajuda a subsidiar aqueles que podem pagar por uma empregada doméstica. O negócio é tão engraçado que o benefício é apenas para o patrão, e não para o empregado. O tal Incentivo à Formalização do Emprego Doméstico custou aos brasileiros R$ 607,48 milhões no ano passado.

*Fernando Molica é jornalista e escritor.

Crédito da foto da página inicial: EBC

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