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Foto do escritorLarissa Alves de Lira

O Brasil e a política como duração


Qual foi a duração dos governos e suas políticas econômicas que desconcentraram renda no Brasil? Relacionar política e duração é uma especulação teórica, mas que talvez ajude a pensar sobre a tendência estrutural do país, ou o que Caio Prado Jr. chamou de ‘sentido’ da história brasileira

O golpe de 2016 e a eleição do governo Bolsonaro em 2018 deixaram surpresos, para dizer o mínimo, todos aqueles que acreditavam que o Brasil havia entrado, nas décadas anteriores, em uma tendência estável de desenvolvimento econômico e social. Por mais que faltasse ao golpe uma legitimidade jurídica e política, esse processo encontrou base social para promover uma reversão abrupta daquela tendência recente de desenvolvimento.


De um lado, esse processo de reversão foi tão surpreendente que acabava por lançar luz à política do Brasil na longa duração. De outro lado, parecia inegável que a ascensão anterior ao poder do primeiro líder operário, Lula, em 2002, era um marco na história secular de um país marcado pela exploração colonial, pela política de oligarquias, pelo golpe de militar e mais recentemente por governos neoliberais.


No pano de fundo a tudo isso, três cenários saltavam aos olhos: o primeiro era que o Brasil continuava a ser um país extremamente desigual e este cenário se mantinha como dado permanente. O segundo era que o Brasil passara por fortes oscilações políticas ao longo do século XX, e que culminara em oscilações ainda mais abruptas.


O terceiro era que as décadas finais do século XX foram marcadas por uma importante política de distribuição de renda. Afinal, o que teria predominado? Qual a tendência estrutural do Brasil?


Secularmente, ainda que com oscilações, o que se via era uma inserção progressiva e democrática, por mais que excessivamente gradual, das massas das populações aos benefícios do crescimento econômico? Ou, também com oscilações, o Brasil seria um país em que os ricos podiam constantemente incrementar o seu poder econômico e social com compartilhamentos mínimos desse poder?


Chegar à conclusão, por mais que limitada, sobre a tendência estrutural seria uma forma de tentar compreender para aonde aponta a história ou o que Caio Prado Junior chamou de “sentido” da história brasileira.


Mas qual o mecanismo para compreensão da tendência estrutural do ponto de vista da teoria da história? Principalmente quando ela é afetada por fortes oscilações? Na tese do historiador Fernand Braudel, defendida em 1969 na Sorbonne, O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na época de Felipe II, parece repousar parte da resposta. Braudel dedica a primeira parte do trabalho ao tempo geográfico, às longas durações, à tendência estrutural da história do mar Mediterrânico, envolvido pelo Império de Felipe II.


Já a segunda parte é dedicada às oscilações, ao tempo médio, variado em sua tendência, e cíclico. A terceira parte, por fim, foi dedicada aos acontecimentos, essa temporalidade ainda mais hesitante em seu sentido.


Braudel ainda é, para mim, um dos melhores instrumentais da historiografia para compreender processos de longa duração. E, mais ainda, para compreender a dialética da duração, ou seja, a relação entre as longas durações e as outras temporalidades, e principalmente os ciclos. Para tanto, seria preciso olhar para as durações.


As durações, assim, seriam a medida histórica para ajudar a compreender a tendência estrutural do ponto de vista da teoria da história. Segundo Braudel, ciclos que convergem à tendência estrutural tendem a ser mais longos em si e no conjunto. Ciclos que negam o sentido da tendência estrutural tendem a ser mais curtos em si ou no agregado.


Nada disso facilita a empreitada de tentar compreender a tendência estrutural do Brasil, porque, a rigor, mesmo que essa parte do instrumental teórico e historiográfico seja inequívoca, surge um o problema de comparar dados e eventos em tendências seculares do ponto de vista metodológico.


Ainda que, especulativamente, talvez seja possível apoiar-se em única e mesma metodologia, e relacionar com o tipo de raciocínio do tempo histórico proposto, para medir essas durações político-econômicas no Brasil. Digo político-econômicas pois talvez se possa considerar a questão do aumento ou da queda desigualdade de renda como o maior e mais significativo sintoma do desenvolvimento econômico e social.


Qual foi a duração dos governos e suas respectivas políticas econômicas que desconcentraram renda no Brasil? Qual foi a duração dos governos e suas respectivas políticas econômicas que a concentraram? Relacionar política e duração no Brasil é uma especulação estritamente teórica. Mas talvez seja uma especulação que possa ajudar a pensar na tendência estrutural de um ponto de vista historiográfico. A sociologia, a ciência política e a economia devem possuir outras formas de avaliar a tendência estrutural.


Larissa Alves de Lira é doutora pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, e pela Universidade de São Paulo (convênio internacional de dupla titulação). Bolsista de pós-doutorado pela FAPESP no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).



Crédito da foto da página inicial: Reprodução das redes sociais (registro da comemoração da eleição de Lula na Av. Paulista, em São Paulo)

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