Muitos conhecem a crise econômica da Islândia por causa dos primeiros minutos do documentário Inside Job, que retrata a crise financeira mundial de 2008. Esses minutos iniciais resumem o resultado do embarque do país na onda do liberalismo econômico a partir dos anos 1990. Para deixar a economia cada vez mais nas mãos do mercado, a Islândia implementou uma série de reformas: cortou o gasto público, reduziu os impostos sobre o capital e sobre o trabalho, privatizou as empresas estatais, liberalizou o mercado de trabalho, abriu sua economia para promover uma maior integração econômica global, reformou a previdência e o setor público e ainda desregulamentou o mercado financeiro.
Os três maiores bancos do país (Kaupthing, Glitnir eLandsbanki) surfaram bem a onda da desregulamentação e, ao oferecerem taxas de juros bem mais altas que no restante da Europa, transformaram a Islândia num grande centro financeiro internacional, ao mesmo tempo em que contribuíram (mais de 80% dos “outros setores” do gráfico abaixo) para que a dívida externa do país (50 bilhões de Euros em 2007) ficasse 10 vezes maior que o PIB e 20 vezes maior que o orçamento público islandês.
Com a crise mundial de 2008 e a desvalorização da moeda, os bancos não conseguiram refinanciar suas dívidas e muito menos pagá-las, o que levou a Islândia a pedir empréstimo ao FMI. Para receber esse empréstimo, o país deveria implementar o controle de capitais, ativar um pacote de recuperação para os bancos endividados, pagar os depósitos dos investidores internacionais e implementar um pacote de medidas de austeridade para controlar as contas públicas.
Sofrendo com recessão, desemprego e inflação provocados pela crise, a população protestou contra as medidas de austeridade propostas pelo FMI e o governo islandês acabou fazendo o que a cartilha convencional não manda: deixou os bancos quebrarem.
Em comparação com o tamanho da economia, a crise islandesa foi a maior crise bancária experimentada por um país na história econômica. Banqueiros foram presos, a dívida dos investidores internacionais foi cortada pelo governo islandês, que preservou os depósitos apenas da população residente no país, e uma parte dos bancos foi nacionalizada e reestruturada.
Para reestruturar o sistema financeiro, impor controle de capitais e evitar maior desvalorização e instabilidade da moeda, a Islândia de fato recebeu empréstimo de 4,6 bilhões de Euros (2,1 bi do FMI e 2,5 bi dos seus vizinhos), mas usou o seu próprio programa de saída da crise, optando por medidas de fortalecimento do bem-estar social e não de austeridade.
Já a partir de 2009, ano de maior queda do PIB (-6,9%), o governo islandês começou a elaborar o orçamento de maneira a proteger a população de renda mais baixa e os grupos mais vulneráveis. Houve aumento nas transferências às famílias e nos gastos com assistência e proteção social, com destaque para os aumentos no salário mínimo, no seguro desemprego, fortalecimento dos programas para os desempregados, aumento nas pensões para idosos e incapacitados e nos benefícios às crianças das famílias de menor renda.
Enquanto houve corte dos impostos diretos para a população mais pobre, a carga tributária dos 10% mais ricos da Islândia aumentou de 24% para 32% da renda de 2008 a 2010.
Além dessas medidas, que garantiram um crescimento com maior equidade, a recuperação econômica da Islândia esteve associada também ao fomento da indústria pesqueira, ao aumento da confiança dos consumidores e ao aumento significativo das exportações e do turismo no país, por causa da desvalorização da moeda.
Contrariando as ideias convencionais, e recebendo inclusive o reconhecimento do próprio FMI e de dois ganhadores do Nobel em economia (Paul Krugman e Joseph Stiglitz), a Islândia mostrou que a cartilha da austeridade não vale para a recuperação econômica. Foram medidas não-convencionais, baseadas nas prioridades nacionais e nos incentivos à economia que possibilitaram a saída da crise, a recuperação do crescimento econômico e a queda da taxa de desemprego.
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