Publicado na Carta Maior em 21-10-2015
A provocação partiu do senador Lindberg Farias (PT-RJ) que, da plateia, participava atentamente do debate que sucedeu o lançamento do documento “Por um país justo e democrático”, em Brasília, nesta segunda (26). “A defesa do mandato da presidenta Dilma está colada na política econômica”, afirmou ele, ao revelar as projeções que apontam que, se mantida a política atual, o desemprego baterá a casa dos 10% na virada de janeiro para fevereiro de 2016 e deverá fechar o próximo ano em 13%. “É uma regressão à era pré-Lula”, alertou.
Segundo o senador, esses resultados dificultam a luta pela bandeira democrática e pelo mandato da presidenta, ameaçado pelos sucessivos pedidos de impeachment da oposição. “O ajuste do Levy é para melhorar as contas públicas, não é? O nosso déficit nominal no ano passado era de 6,7% do PIB. Sabe quanto está no acumulado de agosto, agora? 9,2%. De janeiro a agosto do ano passado, nós pagamos R$ 165 bilhões de juros. Sabe quando foi de janeiro a agosto deste ano? R$ 338 bilhões. (…) Nós estamos enxugando gelo”, desabafou.
Na mesa, o economista Pedro Rossi, do movimento Brasil Debate, concordou com a crítica do parlamentar. “Mudar a política econômica é salvar o mandato da presidenta Dilma. E o emprego é a questão chave, porque a política social mais importante dos governos petistas não foi o Bolsa Família, mas a geração de empregos”, ressaltou. Segundo ele, impedir que o desemprego chegue aos dois dígitos é a batalha mais importante a ser travada hoje no país, seguida pela defesa do Sistema Único de Saúde (SUS), da Petrobrás e de outras tantas apontadas pelo documento.
Produzido por cerca de 40 economistas ligados a instituições e organizações da sociedade civil como Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Rede Desenvolvimentista, Brasil Debate, Plataforma Política Social – Caminhos para o Desenvolvimento, Le Monde Diplomatique Brasil e o Fórum 21, o documento, lançado em São Paulo dia 27 de setembro, tem suscitado grande polêmica e críticas veementes da mídia, da oposição e dos economistas ortodoxos, que defendem o ajuste fiscal como o único caminho possível, ainda que amargo, para a retomada do crescimento.
Em Brasília, seus autores tiveram a oportunidade de contestar algumas das críticas dirigidas ao documento e esclarecer às cerca de 150 pessoas presentes ao evento o verdadeiro propósito do projeto: apresentar uma proposta de longo prazo para o país, criticar a atual política econômica adotada pelo governo Dilma e mostrar que há alternativas a elas já são utilizadas com sucesso por outros países do mundo.
Confira aqui o documento, dividido em dois volumes: Mudar para sair da crise – Alternativas para o Brasil voltar a crescer (Vol. I) O Brasil que queremos – Subsídios para um projeto de desenvolvimento nacional (Vol. II)
A falsa narrativa da catástrofe fiscal
Na apresentação do documento, Rossi criticou o violento programa de ajuste fiscal adotado pela presidenta Dilma rousseff, que vem paralisando a economia, disparando a inflação e aumentando o desemprego. Segundo ele, a política em curso não condiz com as propostas defendidas pelo campo progressista e está calcada em um diagnóstico errado do quadro econômico brasileiro, feito ainda em 2014, no cenário pré-eleitoral.
O economista lembrou que o Brasil viveu de 2007 a 2011 um período de crescimento virtuoso, com inclusão social e redução da pobreza jamais vistas antes, sustentado pelo crescimento do consumo interno. Ele ressaltou, porém, que o modelo tinha defeitos e lacunas, exacerbados a partir de 2011, em decorrência da crise internacional. “Foi um modelo que incluiu muito mais pelos bens privados do que pelos bens públicos”, apontou. E, citando Celso Furtado, afirmou que o Brasil viveu uma modernização dos padrões de consumo da população, sem uma modernização da estrutura produtiva que desse sustentação a esse modelo ao longo do tempo.
Ainda assim, o economista sustentou que o diagnóstico de catástrofe fiscal feito por ortodoxos e martelado pela mídia em 2014 não correspondia à realidade do país. “A gente chegou ao fim de 2014 com déficit primário de 0,6 e aí se criou esse clima de descontrole, de catástrofe fiscal que a gente discorda e a gente critica neste documento. Mas essa situação fiscal brasileira não justificava a retórica da tragédia fiscal, do colapso das contas públicas. Esses argumentos eram absolutamente falaciosos. O déficit primário dos Estados Unidos em 2014 foi de 3%. O do Japão, de 7%. O do Chile, de 0,7%”, argumentou.
Para ele, a prevalência do diagnóstico errado da catástrofe fiscal no ambiente político induziu a presidenta Dilma Rousseff a adotar o desastroso programa de ajuste fiscal tocado pelo ministro Joaquim Levy, o que acabou fazendo – aí sim – com que o país mergulhasse em crise profunda. “O resultado dessa virada a gente está vendo aí: um desajuste na economia brasileira, com aumento do desemprego, da recessão e da inflação e desemprego”, atestou.
Segundo Rossi, o desemprego, que no final de 2014 atingiu sua taxa mínima, de 4,2%, em agosto passado estava em 7,2%. A inflação, que fechou o ano passado em 6,41%, hoje está em 9,5%. No fim de 2014, a projeção de crescimento para este ano era de 1%. Hoje, é de 3%, mas de crescimento negativo. “Hoje, o país está muito pior do que quando começou este ajuste”, argumentou.
O turno eleitoral mais longo da história
O economista Guilherme Mello, da Rede Desenvolvimentista, corroborou que o diagnóstico errado das questões econômicas e fiscais do país suscitaram o tratamento incorreto, que prejudicou ainda mais a economia e alimentou a crise política. Por isso, para ele, é tão imporante que a sociedade entenda que este diagnóstico sustentava-se não em fatos concretos, mas no objetivo político de influir na campanha eleitoral e derrotar o discurso progressista.
“Faz um ano que a eleição não acabou. Faz um ano que estamos no 3º turno da eleição brasileira. É o turno eleitoral mais longo da história do país. E não acabou, em grande medida, porque o nosso campo foi realmente pego de surpresa ao perceber que o diagnóstico e o tratamento que o governo propôs para a economia diferia fundamentalmente daquilo que a gente sempre acreditou”, afirmou.
Mello rebateu a premissa adotada pelo outro lado de que não há alternativas ao ajuste fiscal. Segundo ele, o discurso de que “o ajuste fiscal é muito doloroso, mas é a única saída para arrumar a bagunça que o Brasil se colocou” é falacioso. “A nossa ortodoxia é tão atrasada que ainda está fazendo o debate pré-crise de 2008, quando a ortodoxia internacional já superou esse debate. O próprio FMI está propondo um aumento do investimento público para a Europa sair da crise”, provocou.
Ele garantiu que todas as propostas no documento apresentadas estão presentes no debate público internacional, inclusive dentro da ortodoxia internacional. Como exemplo, citou a de retirar o investimento público do cálculo do superávit primário, como faz a Inglaterra. “É uma proposta amparada pela experiência internacional bem sucedida, que faz completa lógica econômica, porque o investimento público é um multiplicador que gera emprego, renda, arrecadação tributária. Grande parte dele se paga e é propulsor importante do crescimento econômico”, esclareceu.
Outra proposta destacada por ele foi a adoção das bandas fiscais, como diversos países já utilizam. “Ao invés de você ter uma meta fixa, que não leva em consideração as possíveis idas e vindas da economia internacional e doméstica, você tem uma banda. Na prática, curiosamente, o governo começa a adotar essa agenda, apesar de não admitir”, aponta. Ele também defendeu a extensão no tempo da meta da inflação. Segundo ele, dos cerca de 30 países que adotam esse tipo de metas, apenas dois, incluindo o Brasil, a fixam no curto período de tempo de um ano. “Isso sim é uma jabuticaba”, apontou.
Propostas para a retomada do crescimento
Dentre os aspectos centrais para a retomada do crescimento, Guilherme Mello elencou a recomposição da capacidade de financiamento do estado brasileiro, a partir de uma reforma tributária progressivaa e progressista. “Além da Estônia, o Brasil é o único país da OCDE que não taxa lucros e dividendos, o que resolveria nosso problema de déficit fiscal deste ano”, exemplificou. E ressaltou também a necessidade do Estado assumir sua função de investidor, principalmente em uma economia que já adentrou à recessão.
“Nós não somos irresponsáveis do ponto de vista fiscal. Não achamos que o estado deve se endividar descontroladamente. Nós achamos, sim, que nós temos que recompor o financiamento do estado brasileiro, porque esta é a principal causa da concentração de renda hoje no Brasil. E isso está fundado em um estado que se acostumou a arrecadar de quem tem menos e ser beneplácito com quem tem mais”, justificou.
Mello também destacou a importância do país investir na consolidação de uma estrutura produtiva sólida. “O país que queremos ser precisa estar amparado em uma estrutura produtiva sólida. Nós não somos o Chile, não somos um país pequeno. Dependemos de uma indústria moderna, variada, que promova inovação, desenvolvimento e gere emprego de qualidade.”, afirmou. E encerrou conclamando os presentes a apostarem na sustentabilidade ambiental e social como política transversal a ser observada em todas as demais.
Austericídio X conquistas sociais
Responsável por abordar as questões sociais contidas no documento, o economista Paulo Kliass, do Fórum 21, defendeu a preservação das conquistas sociais e de cidadania incluídas na Constituição de 1988, além dos ganhos da inclusão social recente. Ele apontou também a necessidade de se aprofundar a distribuição de renda no país, que apesar dos avanços dos últimos anos, ainda é um dos mais desiguais do mundo.
Segundo Kliass, nesses 27 anos de Constituição Cidadã, as conquistas sociais foram sistematicamente atacadas pelo conservadorismo que, agora com base no discurso falacioso da catástrofe fiscal, quer reduzi-las de vez. “Nesse período, houve uma tensão permanente, com o campo conservador sempre tentando minar a implementação dessas conquistas. E no momento atual, com o discurso da catástrofe fiscal, a coisa vem de uma forma mais objetiva e o discurso dominante é o de que ou se reduz gastos com saúde, educação, previdência e assistência, ou o estado brasileiro quebra”, relata.
Para definir o fenômeno que ele considera completamente falacioso, ele cunhou a expressão “austericídio”, que traduziu como uma combinação do discurso da austeridade com a prática do crime de acabar com direitos essenciais da população brasileira. Para ele, a única forma de enfrentar a questão é rediscutir o modelo de financiamento do estado brasileiro, por meio de uma reforma tributária e também pelo fim da priorização do pagamento da dívida pública em detrimento das políticas sociais.
“Nenhuma palavra é dita sobre aquela conta que é a mais deficitária do ponto de vista estrutural, que é a conta dos juros. Nos últimos 12 meses, por exemplo, o Brasil gastou R$ 484 bilhões com pagamento de juros. Agora, apareceu um outra contazinha, também de natureza puramente financeira, que é uma garantia aos grandes agentes e especuladores financeiros de que eles não perderiam nada se houvesse uma mudança na política cambial. Nos últimos 12 meses, o Brasil gastou R$ 112 bilhões nesta conta. Nessa tacada só, são R$ 600 bilhões da conta de despesa que a gente não considera”, justificou.
De acordo com ele, é inconcebível que o Estado aceite reduzir direitos e não estabeleça uma política mais agressiva para reduzir o pagamento de despesas da dívida. “Fica-se querendo pegar um dinheiro aqui e outro ali, sempre com foco no social, e pouco se avança nesses elementos financeiros. Se a gente reduz 1% na Taxa Selic, por exemplo, já reduz em grande parte o déficit deste ano. Se a gente retoma a CPMF, reduz as isenções, a questão desse aparente buraco estaria resolvida”, sugeriu.
Kliass também ressaltou a importância de se preservar os ganhos da inclusão social recente, que incluíram medidas para além do assistencialismo, como a política de valorização do salário mínimo e o aumento dos benefícios previdenciários. Entretanto, alertou que é preciso ir além. “A inclusão que foi feita, infelizmente, não foi pela ótica da consolidação dos direitos sociais de forma institucional. Ela foi positiva, tudo bem. Você teve uma elevação do nível de renda de uma parcela significativa da população, mas a base da inclusão ainda foi na lógica do aumento da renda e acesso a bens e serviços do ponto de vista do consumo”, afirmou.
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