Ao se falar do Estado, a primeira imagem ou lembrança que vem à mente é de um envelope com algum tipo de cobrança no formato de tributo, imposto, taxa ou contribuição a ser liquidado pelo destinatário. Assim, a marca registrada do Estado passa ser sua função arrecadadora de recursos, vista pejorativamente pela grande maioria da população brasileira como uma aplicação injusta, que não tem relação clara com os seus retornos. Os impostos, nessa perspectiva, são vistos como um instrumento parasitário servindo apenas àqueles que os gerenciam.
Mas, há que se perguntar: Qual é a principal finalidade dos tributos em nossa sociedade?
Todavia, a depender do montante dos recursos, do modelo do financiamento e da qualidade do provimento dos serviços públicos, a organização tributária pode ser um excelente instrumento redistributivo, dada a intrínseca característica do sistema produtivo capitalista em concentrar renda e riqueza.
Por isso, países cujas cargas tributárias são elevadas, mas, também, progressivas em sua arrecadação – quanto mais rico, maior a incidência da alíquota do imposto de renda pessoa física e jurídica – proporcionam redistribuição mais justa dos recursos públicos.
À luz dessa constatação, se repensou a atuação do Estado brasileiro a partir da Constituição Federal de 1988, definindo-se o modelo de financiamento, os recursos necessários e a participação estatal para os vários seguimentos da sociedade.
Entretanto, com o passar dos anos, poucas medidas foram tomadas com vistas a ratificar o modelo de Welfare State Brasileiro contido na Magna Carta. Até mesmo, em certos momentos, foram negadas as condições objetivas ao desenvolvimento dos serviços.
O sistema de saúde público, que teve seus marcos definidos a partir dos famosos artigos 196 e 199, vem sofrendo com a ausência de leis complementares que possam garantir a sua expansão sem, ao mesmo tempo, ferir os dispositivos básicos constitucionais.
A Constituição de 88 definiu que a saúde é direito de todos e dever do Estado e, de forma complementar, é livre à iniciativa privada, sendo vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.
As atuais desonerações são apenas a ponta do Iceberg com redução arrecadatória do Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Esses três tributos compõem parte central do orçamento da seguridade social (Saúde, Assistência Social e Previdência) e alcançaram R$ 136,5 bilhões no ano de 2014, de acordo com estimativas da Receita Federal.
Apesar de importante, talvez a impressionante quantia não arrecadada e equivalente uma vez e meia o orçamento da saúde em 2014, de R$ 94,0 bilhões, não seja a preocupação primordial, para o futuro do SUS. Visto que, no plano orçamentário, este tipo de gasto tributário é atenuado pelas compensações orçamentárias, mesmo que parciais, devido a sua vinculação no destino.
O fato é que, para a renúncia fiscal do imposto de renda da pessoa física e jurídica praticada para empresas e beneficiários de planos de saúde, não é aplicada qualquer compensação orçamentária, não há teto ou qualquer tipo de controle sobre a mesma.
Diferentemente das desonerações tributárias, sobre as quais o governo pode exercer controle, a renúncia fiscal do imposto de renda é direta. Havendo obrigações para com a Receita Federal e ao mesmo tempo despesas médicas realizadas a partir do mercado, o agente pode requerer o abatimento do dispêndio.
Sendo assim, a renúncia fiscal representa a utilização dos recursos públicos da saúde de forma quase unilateral e pode estar, por vezes, totalmente descoladas das diretrizes básicas do SUS.
A maior implicação é que nos últimos sete anos a renúncia vem ganhando cada vez mais espaço no Orçamento Federal da Saúde, retirando capacidade financeira não desprezível dos recursos dos SUS.
Para se ter uma ideia, a renúncia do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) por despesas médicas saiu dos R$ 3,7 bilhões em 2009 e alcançou R$ 11,8 bilhões em 2015, apresentando a maior taxa de variação dentre as modalidades, 213% (figura 1)
O golpe fatal ao Sistema Único de Saúde (SUS) pode ser muito mais sutil do que possamos pensar. A propaganda gratuita difamatória da saúde pública, a promoção do setor privado, o apelo, principalmente por parte da classe trabalhadora, por saúde por meio dos planos privados e a expansão das operadoras nacionais e internacionais parecem compor os condicionantes básicos para corrosão de uma já fragilizada estrutura financeira do SUS.
Diante disto e da drenagem dos recursos públicos pelo setor privado via mecanismos fiscais do imposto de renda, é preciso regulamentar urgentemente a relação entre o público e o privado, de forma que o último seja de fato complementar e autônomo em relação aos recursos públicos.
A exemplo de outros países, buscar mecanismos que protejam minimamente o orçamento público, com definição de teto, focalização e ou critérios mais específicos para utilização das renúncias fiscais do IRPF e IRPJ. A meta principal é a superação do atual sistema duplicado e paralelo, de maneira que Sistema Único de Saúde possa ser em realidade pleno.
Crédito da foto da página inicial: Agência Diário
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