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Conformismo com o ajuste “frouxo” e a recessão prolongada

Com razão, o professor Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, não está nada satisfeito com o ajuste fiscal que está sendo realizado pelo governo. Em entrevista à Folha de São Paulo, no dia 14 de junho, considera o ajuste necessário para evitar a perda do grau de investimento, mas que o “país foi colocado num círculo vicioso em que a recessão reduz a arrecadação do governo, elevando a necessidade de mais cortes de gastos e aumento da carga tributária, gerando mais recessão”.

Um ajuste que, para ele, vai manter a economia asfixiada por um bom tempo, porque novas medidas da mesma natureza serão necessárias mais à frente, correndo-se o risco de não se atingir o seu principal objetivo que é o de trazer o crescimento da dívida para uma trajetória sustentável.

A insatisfação do professor Pastore não parece ser tanto com a qualidade do ajuste, que considera necessário, mas com a insuficiência de seu tamanho para este objetivo. Isso porque, devido à política do Banco Central de persistir no aumento dos juros para trazer a inflação para o centro da meta, e redimir-se de sua negligência dos anos anteriores, mantendo o juro real no patamar de 4-5% ao ano, o déficit nominal está batendo na casa dos 8% do PIB, e não será com um superávit primário de 1,2% do PIB, e ainda assim sem nenhuma garantia de que será alcançado, que se conseguirá reverter a trajetória de crescimento da relação dívida/PIB.

Como, além disso, já se projeta que o PIB deve encolher 2% no ano, diminuindo, portanto, o denominador dessa relação, não será nenhuma surpresa se essa der um grande salto, considerando a dívida em termos brutos, para a casa dos 70% do PIB. Por isso, para ele, seria necessário um superávit primário de pelo menos 3% do PIB para garantir sua estabilização.

Isso corresponderia, de fato, a um ajuste global de 3,6%, dado o déficit primário de 0,63% gerado pelo setor público em 2014. Para Pastore, qualquer ajuste das contas públicas abaixo deste nível significa procrastinar sua solução, e submeter a sociedade a pagar um custo bem mais alto do que seria necessário.

Lamenta, assim, que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tenha feito a opção por um ajuste gradual e que, por essa razão, o país vai ter de continuar fazendo novos ajustes fiscais nos próximos anos, sem dar condições à economia para sair do estado de letargia em que se encontra.

A única saída que aponta para isso seria a realização de reformas que recuperassem a confiança no governo e acelerassem o crescimento econômico, permitindo a redução dos juros.

Como as receitas fiscais estão despencando com a recessão, e as alternativas com que o governo conta para aumentá-las – concessões de infraestrutura, venda de ações da Seguridade da Caixa Econômica Federal etc. – são limitadas.

O governo, para continuar sustentando o ajuste, ficou prisioneiro da estratégia do corte de gastos e aumento dos impostos, indicadores de que a recessão vai ficando mais longa e mais alto o preço que a sociedade terá de pagar pelos erros cometidos pela política econômica. Não lhe restaria, diante disso, senão “continuar no ajuste até recriar a confiança e pagar o custo político”.

Irritado com o ajuste “frouxo”, mas conformado com a recessão longa, não lhe passou pela mente questionar a qualidade do ajuste e, pelo que se pode entender de sua entrevista, o mal deveria ser feito de uma só vez e de forma desapiedada, mesmo que jogasse mais rapidamente o emprego e a renda do trabalhador no chão e se assistisse ao país retroceder em termos das conquistas sociais e da redução das desigualdades.

No final, o país sairia ganhando por não perder o grau de investimento e poderia retomar novamente o crescimento, como prêmio pelos sacrifícios feitos.

Se o professor Pastore deixasse de olhar a economia com o viés conservador, certamente poderia ter uma leitura melhor dos problemas atuais da economia brasileira e de melhores alternativas para o ajuste.

Independentemente dos fatores que contribuíram para a desaceleração econômica, que está conduzindo o país para uma recessão, o fato é que o motor do crescimento, base para o próprio Estado dispor de condições fiscais mais saudáveis, emperrou. E, neste caso, pretender um ajuste fiscal exitoso, quando as bases para seu sucesso estão sendo crescentemente minadas, é o mesmo que pretender chegar ao paraíso fazendo pacto com o diabo. Não é possível.

Como disse o mestre Belluzzo, em recente entrevista concedida ao Portal da CUT, “se o motor pifou não adianta arrumar a lataria do carro. Não vai fazê-lo funcionar. É preciso consertar ou arrumar outro motor”.

A maior dificuldade para isso está justamente na limitação dos recursos públicos para deslanchar um conjunto de investimentos, especialmente em infraestrutura econômica, com o objetivo de dar um novo impulso ao crescimento, já que os demais fatores de dinamismo da economia se encontram desfalecidos.

Por isso, o segundo pacote de concessões em infraestrutura lançado pelo governo no dia 09 de junho, com investimentos previstos de R$ 198,4 bilhões – R$ 69 bilhões até 2018 –, contando com investimentos privados, representa um passo importante na direção correta.

Mesmo que tardio, com versões recriadas do pacote de 2012, contendo ainda alguns projetos visionários – ferrovia oceânica –, mas sem alguns erros cometidos naquele em termos de modelos excessivamente intervencionistas, pode ajudar o país a começar a ver a porta de saída da crise, caso o investimento privado dê respostas positivas para o projeto.

Mas, o mais grave do ajuste, é que ele tem sido feito em cima do emprego e da renda dos trabalhadores, conduzindo o consumo à inanição e as políticas sociais à míngua de recursos, enfraquecendo ainda mais o tecido econômico e social, enquanto o setor financeiro, o patrimônio e a riqueza, em geral, não só continuam praticamente incólumes aos seus custos como dele têm se beneficiado com a suicida política de altos juros do Banco Central, visando a reverter uma inflação em boa parte de custos, promovendo, com isso, uma brutal transferência de renda para esses setores.

Se dos primeiros pouco há a tirar para ajudar nas finanças do Estado, a não ser a troco de mais recessão que repõe continuamente a necessidade de novas rodadas de ajustes, os segundos, além de praticamente infensos à tributação, são os que empurram, pelo aumento dos juros, o pífio e solitário ajuste fiscal para um maior desajuste, aumentando os riscos da tão temida perda do grau de investimento.

E isto, apesar de serem os últimos os que mais têm condições de efetivamente contribuir para o ajuste e para a saída da recessão. Mas isso, nem de longe, é mencionado na longa entrevista do professor Pastore.

Crédito da foto da página inicial: Wilson Dias/ABr

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