Tradução de Ana Luíza Matos de Oliveira
Agitações estudantis contra regimes autoritários têm grande história em todo o mundo. Tais regimes foram, por vezes, derrubados por movimentos estudantis. A repressão estatal a movimentos estudantis varia em termos de coerção e força em diferentes espaços e épocas. Como regimes autoritários são marcados por intolerância contra os que os criticam, os protestos contra tais regimes acabam se transformando em conflitos.
A Índia presenciou muitos conflitos desta natureza que modificaram a República no último século. Enquanto os sucessivos governos diferem em suas respostas ao lidar com agitações estudantis, os recentes ataques aos campi universitários indianos não têm precedentes na história indiana. No último mês, três grandes universidades do país sofreram ataques planejados, seja pela polícia, seja por apoiadores do governo atual com o apoio da polícia.
Estes ataques às universidades ocorreram ao mesmo tempo em que ocorriam protestos nacionais contra o aumento das mensalidades e contra o Ato de Emenda de Cidadania (“Citizenship Amendment Act” – CAA). Enquanto o primeiro diz respeito à Educação Superior (ES), o segundo tem implicações mais amplas para o secularismo, já que o CAA coloca em risco a existência de minorias muçulmanas e da população indígena.
Em um país em que a taxa bruta de matrícula na ES ainda está em torno de 25% e a taxa de desemprego está em seu ápice, o aumento das mensalidades tornariam a ES inacessível a grande parte da população indiana, colocando em risco o futuro da juventude e do país. Os estudantes têm demandado educação acessível para todos para salvar o país de uma aparente catástrofe econômica. Por outro lado, o CAA deve levar minorias muçulmanas e povos indígenas que não consigam apresentar documentos anteriores a 1971 a perderem a nacionalidade indiana.
Enquanto os estudantes protestam contra o aumento das taxas desde novembro de 2019, as agitações contra o CAA começaram com a introdução do projeto de lei na câmara baixa do Parlamento em 4 de dezembro de 2019. Como os protestos contra o aumento das taxas tiveram caráter nacional, os protestos contra o CAA encabeçados por grupos da sociedade civil e outros profissionais começaram já em um nível maior. Em pânico com a extensão inesperada de protestos contra a CAA, o governo atacou duas universidades caracterizadas com status minoritário: a Aligarh Muslim University (AMU) em Uttar Paradesh (UP) e a Jamia Milia Islamia (JMI) em Nova Délhi.
A polícia entrou nessas universidades na noite de 15 de dezembro de 2019 sem o consentimento da administração da universidade, destruiu propriedades dessas universidades, atacou estudantes e até atirou. Na JMI, a Polícia de Délhi entrou na biblioteca e atacou estudantes. Professores e funcionários de segurança da universidade que tentavam intervir para proteger os alunos também foram maltratados. Há relatos e imagens de que policiais do sexo masculino entraram em albergues de meninas e agrediram sem piedade estudantes do sexo feminino.
Na AMU, a Polícia da UP desencadeou um ataque brutal a estudantes e deteve um grande número de estudantes estudando na biblioteca. O visual dos estudantes, com as mãos para cima sendo levados pela polícia, assemelha-se aos detidos da Alemanha nazista. Esses ataques às duas universidades com status minoritário visavam a desmoralizar os manifestantes e criar um ambiente de medo entre a população minoritária. Essas tentativas de intimidação foram em vão, pois os protestos contra a CAA aumentaram em número e força.
Pessoas de todas as origens e credos manifestaram sua discordância com as disposições discriminatórias da CAA e o ataque às duas universidades. Os protestos nas ruas de todos os cantos do país e as campanhas de mídia social fizeram do movimento contra o CAA um dos maiores da história da Índia desde sua independência. Obviamente, um movimento tão grande desagrada ao regime autoritário no poder.
Aqui introduzimos a importância da Universidade Jawaharlal Nehru (JNU), que está na vanguarda de todos os protestos contra o regime atual. Os protestos em todo o país contra o aumento das taxas que atuaram como catalisadores do movimento anti-CAA se originaram na JNU, onde os estudantes boicotavam os exames do final do semestre e a inscrição para o novo semestre, mesmo depois de várias táticas adotadas pela administração da universidade e pelo Ministério. A luta incansável dos estudantes que arriscaram sua carreira ganhou apoio de vários cantos, incluindo celebridades. Mas a continuidade da luta e o crescente apoio provocaram a ira do governo, que recorreu ao ataque à universidade.
Assim, em 5 de janeiro de 2020, capangas mascarados entraram no campus da universidade em conluio com a equipe de segurança da universidade e a Polícia de Délhi e causaram estragos no campus. Eles impiedosamente atacaram estudantes e professores, ferindo-os severamente e saqueando propriedades. Eles até entraram na ala feminina de um albergue estudantil e agrediram estudantes/moradoras.
A entrada e saída desses capangas foi facilitada pelos trabalhadores do partido do governo e pela Polícia de Délhi. As atrocidades contra os estudantes e professores que os apoiavam não pararam por aqui: a administração da JNU e a polícia de Délhi culparam os estudantes que protestavam pela violência. Enquanto imagens divulgadas por indivíduos e órgãos de comunicação social descrevem capangas mascarados entrando no campus e desencadeando violência, a Polícia de Délhi negou essas evidências e culpou o líder do sindicato dos estudantes pela violência e destruição de propriedades da universidade. Enquanto acadêmicos de universidades de destaque do mundo criticam os ataques às universidades, a polícia em conluio com o partido no poder está ocupada em difamar as universidades.
A Polícia de Délhi tenta continuamente difamar a JNU por ordem do partido no poder desde 2016, quando alegou que o então líder do sindicato dos estudantes realizava campanha anti-patriótica. Embora a polícia não tenha sido capaz de registrar qualquer acusação devido à falta de provas, seus policiais deram várias declarações apoiando suas alegações que foram usadas pelo partido no poder para caluniar a universidade e os protestos liderados pelos estudantes. A Polícia de UP teve que libertar estudantes detidos por falta de provas. Desde o incidente da JNU de 2016, a entrada não autorizada da polícia nos campi universitários tem sido motivo de debate.
Esses ataques às universidades e os casos de uso indevido de aparatos estatais por um regime autoritário sinalizam ameaça à democracia e só podem ser combatidos com a ação das pessoas. O pânico e a frustração do regime com os protestos não apenas mostram que ele está perdendo apoio, mas também mostram como se derruba tais regimes.
Crédito da foto da página inicial: Site A nova Democracia
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