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As reformas que interessam ainda não foram feitas

Os grandes beneficiários das reformas serão, acima de todos, o povo brasileiro e os governos que me sucederem. A eles, trabalhadores, desejo entregar uma Nação engrandecida, emancipada e cada vez mais orgulhosa de si mesma, por ter resolvido mais uma vez, pacificamente, os graves problemas que a História nos legou.

(João Goulart, comício na Central do Brasil)

Houve um tempo em que o debate central na esquerda girava entre reforma e revolução. As circunstâncias mudaram a tal ponto que hoje reformistas e revolucionários encontram-se lado a lado, pois diversos setores da esquerda abandonaram até mesmo o reformismo em prol do melhorismo.

Certamente haverá quem diga que os melhoristas não estão no campo da esquerda, mas temos que usar a compreensão da maioria da sociedade e não como os teóricos da academia classificam. Ademais, é mais ou menos aceitar o conceito de Bobbio de que esquerda seriam todos aqueles para quem qualquer situação de desigualdade precisa ser justificada.

Hoje, ser reformista, defender reformas radicais no sistema capitalista é uma postura profundamente revolucionária. Assim devemos ler muitos pontos da Constituição Brasileira de 1988 e que não à toa têm sido alvo de sistemáticos ataques da direita.

Não se passa um ano no Brasil em que a seguridade social não sofra ataques. Sob o falso argumento do déficit da previdência, recorrentemente alegam que é preciso reformar a previdência. Com o pretexto de se manter as conquista melhoristas dos últimos anos, nem bem esfriou a última reforma da previdência, a presidente e seu novo ministro da Fazenda já anunciam como inevitável uma nova reforma.

Não é esse o tipo de reforma que os reformistas no campo da esquerda defendem. Estas reformas estão aí, batendo na porta, aguardando sua implementação desde João Goulart.

O melhorismo dos governos do PT propiciou um salto de qualidade nas condições de vida dos trabalhadores do Brasil. Entretanto, se essa melhora na vida das pessoas permanece sob constante ameaça por desajustes na condução da macroeconomia ou por uma possível vitória da oposição de direita é porque as reformas que interessam à classe trabalhadora não foram feitas.

Se é verdade que há algum tipo de desajuste nas contas públicas, não é da conta da previdência, mas da conta dos juros da dívida pública, da covardia de não se auditar esta dívida, da subserviência dos governos de todos os partidos ao capital financeiro.

Só que aos trabalhadores não basta dizer um não à reforma da previdência, mas um sim a um outro tipo de reformas. O governo já ofereceu inúmeros sinais às elites e aos setores da direita governista. Urge que se ofereçam reformas que sinalizem uma esperança à classe trabalhadora se o governo pretende se defender dos ímpetos golpistas. Nunca é demais lembrar que o fiel da balança na última eleição vencida por pouco pela presidente foi um discurso com claras sinalizações à esquerda.

Se o discurso é de saneamento das contas públicas, comecemos por uma reforma tributária que atinja os mais abastados. É necessária uma forte tributação sobre grandes fortunas, patrimônio e herança. Se a direita insiste no discurso da meritocracia, é preciso insistir que todos precisam largar do mesmo ponto.

E para a meritocracia ser completa é preciso uma radical reforma na saúde e na educação. Não parece aceitável que uns tenham acesso às melhores escolas e hospitais enquanto a imensa maioria fica submetida a serviços precários.

A reforma da saúde e educação deve pautar o fim da atuação da iniciativa privada nestes setores. Somente quando os filhos da casa grande dividirem a classe com os filhos da senzala poderá se falar em meritocracia. Somente quando o leito do doente da Vieira Souto for lado a lado do enfermo do Pavãozinho poderá se falar em meritocracia.

Somente quando o acesso a educação e saúde não depender do berço, se poderão assegurar serviços dignos. Somente quando aqueles que tomam decisões que influenciam na qualidade destes serviços forem seus usuários, teremos educação e saúde de qualidade.

Como está na moda falar da situação das contas públicas, até porque virão perguntar de onde virá o dinheiro para esta reforma na saúde e na educação, é preciso uma reforma financeira que torne a economia brasileira menos dependente dos juros altos.

Não é admissível que os juros consumam um orçamento maior que saúde e educação somadas. O Banco Central precisa começar a dialogar com o mundo real e parar de ver inflação de demanda numa recessão, bem como é necessário trabalhar com metas de emprego além de inflação.

A burguesia recorrentemente fala de reforma trabalhista para retirar direitos dos trabalhadores. É sim necessária uma reforma trabalhista, mas sem retirada de direitos. A reforma trabalhista urgente e necessária é a redução da jornada de trabalho sem redução dos salários. Os avanços tecnológicos permitem tranquilamente uma jornada de 30 horas semanais com efeitos positivos inclusive no nível de emprego.

Junho de 2013 deixou clara a necessidade de se colocar no debate a reforma urbana. E de nada adianta iniciativas pontuais como ciclovias e IPTU progressivo. Esta pauta precisa ser liderada pelo governo federal por meio de subsídios ao transporte urbano público e gratuito.

Programas como o Minha Casa, Minha Vida devem ser vetores de uma real melhoria das condições de vida da população mais pobre e não o seu isolamento em locais distantes e com escassas conexões urbanas.

Por fim, a reforma que o Brasil aguarda desde José Bonifácio, relembrada por Joaquim Nabuco, que o país perenizou sem nunca efetivar: a reforma agrária. Naqueles termos propostos por João Goulart que esperava ver “divididos os latifúndios das beiras das estradas, os latifúndios aos lados das ferrovias e dos açudes construídos com o dinheiro do povo, ao lado das obras de saneamento realizadas com o sacrifício da Nação”.

Ainda nas palavras de Goulart no seu discurso na Central do Brasil: “A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo. Aqui no Brasil, constitui a legenda mais viva da reivindicação do nosso povo, sobretudo daqueles que lutaram no campo”.

Se é um desejo do governo que o povo se organize contra os anseios golpistas é preciso que se apresente ao povo as reformas que o povo deseja, não se trata da reforma da previdência, mas reformas no espírito das reformas de base que almejava Jango e que foram interditada pelo golpe civil-militar de 1964. Por isso, o reformismo hoje é radicalmente revolucionário.

Foto da página inicial: João Goulart, e a seu lado Maria Tereza Goulart, no Comício da Central, em 1964.

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