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Ampliação e encurtamento da dívida pública: aparente paradoxo

É possível ampliar e encurtar?! Sim, recentemente, aumentou o volume financeiro e encurtou o prazo médio da Dívida Pública Mobiliária Federal interna (DPMFi).  A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) passou de R$ 5,5 trilhões, no fim do ano passado, para R$ 6,5 trilhões, no fim do 3º trimestre do ano corrente. Aumentou de 75,8% do PIB para 90,6% do PIB, considerando a queda nominal do PIB de R$ 7,257 trilhões para R$ 7,213 trilhões, segundo estimativa do Banco Central do Brasil (BCB).

Nas emissões de títulos de dívida pública, em setembro de 2020, o destaque foi para a venda de títulos prefixados (87,7% do total) e indexados a índice de preços (7,8% do total). No ano corrente, o resgate líquido acumulado na DPMFi até setembro foi de R$ 640,1 milhões. Devido aos maiores níveis de emissão, o total emitido em 2020 até setembro (R$ 798,3 bi) já superava o total emitido em 2019 (R$ 759,3bi).

Em relação ao prazo das emissões, destacaram-se as ofertas dos títulos prefixados (LTN) de 6 meses e de 12 meses, dada a atual preferência dos investidores por ativos menos arriscados e mais líquidos no mercado doméstico de títulos públicos. Títulos de dívida pública pós-fixados (LFT) com Selic, atualmente em 2% aa, diminuíram sua participação relativa de 30% em dezembro de 2019 para 22,6% em setembro de 2020.

Como os prefixados (de 26% para 24,8%) e os indexados com índice de preços (de 22% para 19%) também reduziram seus relativos, os títulos cambiais se elevaram de 3% para 6% no período de 3 trimestres. Sinaliza a tensão do mercado de câmbio com fuga de capital para o dólar.

O aumento da aversão ao risco entre os investidores foi um dos principais vetores condicionantes dos mercados no mês de setembro. As incertezas com relação ao direcionamento da política fiscal também contribuíram para pressionar os prazos intermediários e longos da curva de juros futuros.

Houve, no entanto, a recuperação da carteira das LFTs em mercado, refletida no IMA-S. Esse indicador de rentabilidade, publicado pela ANBIMA, saiu de queda de 0,27% em setembro para variação positiva de 0,13% em outubro. Nos prefixados até um ano, expressos pela trajetória do IRF-M1, a rentabilidade foi de 0,16%, acumulando no ano 3,29%.

Muitos investidores conservadores em Fundos de Investimentos DI pós-fixados foram surpreendidos pela inédita marcação-a-mercado (MtM: Market-to-Market), levando à queda absoluta de seus rendimentos. Em setembro, o destaque coube ao movimento das LFTs, refletido pelo IMA-S, carteiras das LFTs marcadas a mercado. Recuou -0,27%, enquanto a taxa Selic rendeu +0,16% no mesmo período.

Esses papéis são considerados os mais conservadores do mercado por acompanharem a Selic diária. Foram impactados pelo deságio verificado nos leilões primários, combinado com a sua menor atratividade diante do baixo patamar das taxas de juros.

Os gestores, depois da perda, explicaram para os investidores algo necessário de ser advertido antes: os Fundos DI, classificados como Renda Fixa Referenciado, devem ter no mínimo 95% da carteira em operações atreladas ao CDI e à Selic, mas pelo menos 80% de sua carteira investida em títulos de baixo risco, como Títulos da Dívida Pública Federal e/ou Títulos de Crédito Privado (debêntures) de grandes corporações. Estes funcionam como um empréstimo a empresas, com juros revertidos para o investidor.

Os títulos de crédito privado, com a tentativa de parto a fórceps da economia de mercado de capitais no Brasil, executado com o desmanche do BNDES e o nível histórico mais baixo da Selic, apresenta, no ano corrente, fortes oscilações. O “risco privado”, em lugar do “soberano”, aumentou por conta da chamada abertura de spreads de crédito.

Se antes o mercado exigia uma remuneração de 101% do CDI para emprestar dinheiro para uma empresa, com as incertezas presentes no cenário atual, ele passa a exigir juros maiores de, por exemplo, 105% do CDI.

Isso impacta na rentabilidade do fundo, porque, dentro de sua carteira, existia ativo de crédito privado com rendimentos de 101% do CDI. Quando O Mercado (divino porque onipresente, onipotente e onisciente) passa a exigir uma remuneração de 105% do CDI, esse mesmo ativo, estando em carteira com uma taxa menor, sofre uma desvalorização de seu valor no mercado secundário de compras-e-vendas.

A cota do fundo reflete essa desvalorização momentânea do ativo por meio da marcação a mercado. Esta é uma atualização do preço do ativo, caso ele seja vendido naquele momento. Passado esse momento de oscilação, se antes o título rendia 101% do CDI, ele passa a render 105% – e traz uma remuneração maior no futuro.

As estatísticas de custo médio seguiram mostrando níveis historicamente baixos. O custo médio das emissões em oferta pública da DPMFi acumulado em 12 meses atingiu 4,64% a.a., menor valor da série histórica. O custo médio do estoque da DPF acumulado em 12 meses, no entanto, passou de 8,54% a.a. em agosto para 8,72% a.a. em setembro.

A quem o Tesouro Nacional (TN) recorre para o carregamento da DPMFi? Mais a bancos (27,4%), Fundos (26,4%) e Fundos de Pensão Fechados (23,7%), menos a investidores não-residentes (9,4%) e demais carregadores: Governo (3,7%), Seguradoras (3,9%) e outros (5,4%). Historicamente, os Fundos têm quase ¾ de suas carteiras de ativos em títulos de dívida pública.

Entretanto, passou a ter 22% dela em Operações Compromissadas (OC) para atender à preferência pela liquidez em resgates dos seus investidores. Elas são as contrapartidas das Operações de Mercado Aberto da política monetária executada pelo BCB.

O governo está submetendo essa política monetária à política de administração da dívida pública. O BCB não utiliza todos os títulos do TN de sua carteira para a execução da política monetária. Os livres, não utilizados como lastro das OC, não integram a dívida interna, diferentemente da contabilidade do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O problema é, no ano corrente, esses títulos livres na carteira do BCB passaram a ser utilizados nas OC. Houve brutal aumento da DBGG, mas pela rejeição de certos carregadores tradicionais colocarem mais títulos de dívida pública em carteira, as OC aumentaram em seu carregamento (de 20% para 28% da Dívida Interna) à custa dos títulos livres em sua carteira. Passaram de 20% para 4% dos títulos emitidos.

Enfim, comprova-se o paradoxo dito no início: a dívida pública brasileira ampliou e encurtou!

Crédito da foto da página inicial: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

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