Desapareceu no Brasil a discussão sobre geração de emprego. Mesmo registrando 12,5 milhões de desocupados e 27,3 milhões de subutilizados (desocupados, subocupados por insuficiência de horas e na força de trabalho potencial) – um quarto da força de trabalho brasileira – o único problema do Brasil parece ser a previdência. Após a retração de 6,9% do PIB em 2015 e 2016 e um crescimento econômico muito baixo, de 1% em 2017 e 1,1% em 2018, com expectativas de crescimento para 2019 revisadas para baixo 6 vezes consecutivas[1], o país está longe da recuperação do nível do PIB per capita de 2014 (Gráfico 1). Assim, para as famílias de trabalhadores, a crise continua.
A reforma da previdência seria o remédio para tudo isso, dizem os analistas. Como o foi, diga-se de passagem, em outros momentos, a reforma trabalhista, que geraria segundo seus defensores, 5 milhões de empregos; como o foi a PEC do Teto de Gastos… Onde estão os frutos prometidos das reformas anteriores? Como fora percebido na época da tramitação da Reforma Trabalhista, se propaga um tipo de liberalismo seletivo, que acredita que a redução dos salários e dos direitos elementares dos trabalhadores irá retirar o Brasil da crise. Mas o que se verifica é o contrário: a crise se aprofunda com a redução da capacidade de consumo das famílias e redução dos investimentos públicos e privados.
Qual relação tem a reforma da previdência com o crescimento econômico, afinal? Há uma crença, que não se ampara em dados estatísticos, de que se o país tem as contas públicas “em ordem”, haverá estímulo aos investimentos e à geração de empregos. Ora, os empresários investem se percebem que há demanda para seus produtos e serviços, não o fazem baseado na percepção de que as contas do governo estão “em ordem”.
E se invertêssemos a causalidade: qual impacto a geração de empregos teria nos resultados da previdência? Quanto a este ponto, o Gráfico 2 mostra que em todo o período de 2009 a 2015 o Regime Geral da Previdência Social (RGPS) urbano foi superavitário[2].
De 2009 a 2015, o aumento do emprego formal (+23,4 milhões[3]) e da base contributiva da previdência garantiu a sustentabilidade do sistema. Até a crise que se inicia em 2015, com a mesma estrutura previdenciária, tínhamos um RGPS urbano superavitário.
O quadro do mercado de trabalho hoje é muito diferente. A Reforma Trabalhista, em vigor desde nov/2017 incentivou a substituição de empregos “padrão” por contratos “atípicos”. Esta mudança na lei reforçou a tendência à precarização assistida desde o início da crise econômica. Por exemplo, o gráfico 3 mostra como as ocupações sem carteira assinada tem puxado a geração de postos de trabalho desde 2016.
O gráfico 4 mostra que o trabalho doméstico, ocupação precária majoritariamente feminina, sofre redução de 17,8% de trabalhadores com carteira de trabalho assinada e aumento de 10% dos trabalhadores sem carteira do início de 2016 ao início de 2019.
No mesmo período ocorre ampliação dos trabalhadores por conta-própria com e sem CNPJ (gráfico 5).
Assim, o número de contribuintes para a previdência reduziu-se em 2% entre 2016 e 2018, frente ao aumento de 8% dos trabalhadores que não contribuem (tabela 1).
Os dados mostram que a situação no mercado de trabalho é grave e o crescimento de ocupações sem contribuição à previdência não é uma boa notícia. Neste cenário, esta reforma afastará ainda mais os trabalhadores com salários mais baixos e mais afetados pela informalidade da previdência pública por não conseguirem cumprir os aumentos de exigência de tempo de contribuição. Por outro lado, a elevada informalidade reduz a receita da previdência.
Ao invés de focar na reforma da previdência como a solução para todos os problemas da sociedade brasileira, por que não voltar a falar em propostas para gerar empregos de qualidade no país e, por essa via ampliar, as contribuições ao sistema? Jogar a esperança de recuperação da economia em uma reforma que afasta ainda mais os trabalhadores da seguridade social ao endurecer as regras de acesso e que não tem nenhuma relação lógica com a retomada do crescimento é, do ponto de vista dos trabalhadores, aprofundar a crise.
Esta reforma regressiva exercerá, caso seja aprovada, impacto negativo no mercado de trabalho brasileiro, marcado pelos baixos salários e persistente excedente de força de trabalho. Ao dificultar o acesso à aposentadoria e reduzir o valor do benefício dos mais pobres, o mercado de trabalho será pressionado por um número ainda maior de pessoas tentando garantir sua subsistência em ocupações precárias. Uma vez que a renda dos aposentados garante uma contribuição substancial na composição da renda das famílias, especialmente em períodos de crise econômica e elevado desemprego, a pobreza oriunda da reforma da previdência compelirá idosos e pessoas cada vez mais jovens para o mercado de trabalho.
[1] Focus – BCB
[2] Cálculos do SPREV: http://sa.previdencia.gov.br/site/2019/01/Resultado-do-RGPS-2018-12-urbano-rural.ppt
[3] Dados do CAGED
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