Em sua edição #18, “Ajuste fiscal e questão social”, a Revista Política Social e Desenvolvimento segue no debate sobre a gestão macroeconômica e seus impactos sobre o desenvolvimento e a questão social.
Em termos gerais, encontram-se dois pontos comuns a todos os artigos desta edição. Em primeiro lugar, os autores alertam para os impactos negativos do ajuste fiscal sobre o mercado de trabalho e os direitos sociais, que põem em risco os progressos recentes obtidos na inclusão e na redução das desigualdades de renda.
Em segundo lugar, apontam para a indispensável necessidade de ampliar os debates e a mobilização popular em torno da formulação de uma estratégia alternativa que priorize o crescimento.
Esse segundo aspecto é objeto central do artigo de Clemente Ganz Lucio (“Caminhos para o crescimento e o emprego”. O autor defende a “necessidade de organizar e viabilizar, desde já e urgentemente, uma estratégia de transição acelerada para o crescimento, orientada para a geração de emprego, incremento dos salários como resultado do aumento da produtividade e da expansão de atividade empresarial de produção de bens e serviços”.
Na sua visão, esse processo deveria ser incentivado por meio do diálogo social e do debate público, em espaços de negociação que criem compromissos e acordos sobre os objetivos e estratégias. O artigo aponta diversas frentes de expansão dessa estratégia alternativa.
Os argumentos em favor da imprescindível necessidade de reformular a estratégia econômica são reforçados no artigo de Fabrício Augusto de Oliveira (“A Aniquilação da demanda e da oferta”). Para o autor, as medidas de política econômica anunciadas pelo governo constituem o “suprassumo da ortodoxia”.
Em sua visão, “trata-se de medidas que, inequivocamente, vão derrubar a demanda global, a qual, bem ou mal, constituía a única fonte ou força que vinha mantendo algum oxigênio para a atividade econômica”. Para ele, “carece de qualquer bom senso em matéria de teoria econômica” a crença de que apenas o ajuste das contas públicas será suficiente para mais à frente trazer os investimentos.
Na mesma perspectiva crítica, o artigo de Guilherme Santos Mello (“Três cenários possíveis para o Brasil em 2015: O bom, o mau e o feio”) – versão revista e ampliada do anterior publicado no Brasil Debate (leia AQUI) – busca traçar três cenários para a economia brasileira: um positivo (o bom), um negativo (o mau) e um de fracasso total (o feio).
Após analisar cada um deles, o autor conclui que “os três cenários exigem resultados ruins no curto prazo e no mínimo incertos no médio/longo prazo”. Em função disso, Mello também sublinha a necessidade de se considerar “imediatamente a possibilidade de reformular a estratégia econômica”. Para ele, mais do que nunca, “é preciso adaptar a estratégia às demandas da realidade social, não apenas às demandas dos mercados”. E alerta que a recusa do governo em alterar a estratégia atual “traz à tona a possibilidade de ampliação da crise política e social no futuro”.
Os três artigos seguintes analisam os reflexos negativos das políticas econômicas de austeridade sobre a questão social. Tiago Oliveira (“Ajuste fiscal e mercado de trabalho”) destaca que a estratégia econômica em curso parte da crença (equivocada) de que o baixo desemprego atual (situação próxima, em tese, de situação de pleno emprego) representa um entrave para a competitividade das empresas (que se veriam obrigadas a adiar investimentos ou a repassarem o aumento de custos para os preços).
Por essa lógica, ao desaquecer a economia e o mercado de trabalho, o ajuste fiscal traria efeitos “benéficos” para a competitividade. O artigo enfatiza os efeitos deletérios desta estratégia na ampliação da taxa de desemprego e maior precarização do trabalho, “interrompendo uma dinâmica virtuosa que se vinha sustentando há cerca de uma década”.
A exemplo dos demais autores, Oliveira também aponta para a “necessária correção de rumos a ser aplicada na economia brasileira”, que deveria privilegiar a elevação dos investimentos, combinada com a manutenção do câmbio em patamar competitivo e a utilização de outros instrumentos de combate à inflação.
O autor também salienta a incompatibilidade entre a estratégia de crescimento e o atual formato do regime brasileiro de metas de inflação, que exige recorrentemente taxas de juros elevadas. “Afinal, como reanimar o ‘espírito animal’ dos empresários, quando se tem o mercado financeiro como uma alternativa de valorização da riqueza muito mais atraente?”
Em seguida, Lena Lavinas (“Modelo social em crise”) ressalta que essas consequências negativas na desorganização do mercado de trabalho adicionadas ao vigoroso processo de elevação das taxas de juros básicos da economia (que torna ainda mais obscena a taxa de juros ao consumidor), terão graves implicações sobre o endividamento das famílias, esgotando o “modelo social” erigido desde 2003.
Para ela, a “grande arquitetura” desse modelo começa com a criação do crédito consignado (funcionários públicos, assalariados formalizados, aposentados e pensionistas), num contexto em que os salários “tiveram ganhos reais importantes, numa trajetória sustentada de recuperação”. Com a criação do programa Bolsa Família, que expande a incorporação ao mercado de milhões de famílias, se ampliam mecanismos de acesso ao crédito de consumo também aos seus beneficiários.
Esse “vigoroso processo de inclusão financeira” proporcionou acesso ao crédito a famílias de baixa renda. Não obstante, para Lavinas, o “calcanhar de Aquiles” desse modelo está relacionado ao custo do crédito ao consumidor, cujas taxas são “assustadoramente elevadas”; agora, com a sucessiva elevação da Selic, “elas continuam em alta, mirando a estratosfera”. A autora chama a atenção para os efeitos preocupantes das políticas de austeridade em curso que, simultaneamente, retiram renda e ampliam o endividamento das famílias.
O ajuste fiscal seletivo também foi o mote para que o governo abrisse uma frente controversa de supressão de direitos sociais, sem que houvesse diálogo prévio com setores organizados do movimento social e sindical, salienta Juliano Musse (“Medidas Provisórias 664 E 665: A quem servem?”).
O autor analisa as mudanças nas regras de acesso ao seguro desemprego (incluindo o seguro-defeso – pescador artesanal), abono salarial, pensão por morte e invalidez e auxílio-doença. Antes de entrar no “imbróglio” das Medidas, Musse destaca que a Seguridade Social tem sido superavitária desde 1989, o que retira a “urgência” dos ajustes ortodoxos com intuito de conter gastos e suprimir direitos. O artigo procura alertar para alguns problemas e questionar certos posicionamentos governamentais.
Por fim, William Nozaki (“O capitalismo patrimonialista no Brasil: da disputa contra o rentismo empresarial à luta contra o patrimonialismo familiar dos empresários”) critica o ajuste fiscal seletivo, que recai apenas sobre a classe trabalhadora. Para ele o ajuste das contas públicas deveria ser feito “contra o patrimonialismo”.
Nesse sentido, em sua opinião, “as forças de esquerda falham ao não se debruçar de forma mais cuidadosa” sobre essa questão e não “investir contra os ganhos pessoais e privados da nossa elite”. Para Nozaki o ajuste fiscal também deveria priorizar a ampliação das receitas, o que implica combate à sonegação fiscal, à evasão de divisas e lavagem de dinheiro; implementação de impostos sobre heranças, doações e fortunas; e por maior progressividade no imposto de renda.
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Andre Biancarelli – REDE D
Eduardo Fagnani – PLATAFORMA POLÍTICA SOCIAL
Pedro Rossi – BRASIL DEBATE
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