Publicado em Teoria e Debate em 3-11-2015
Foto: Pete Souza/ Divulgação Casa Branca
Em menos de dois minutos foi anunciado no dia 5 de outubro em Atlanta, nos Estados Unidos, a conclusão das negociações da Parceria Transpacífica (Trans-Pacific Partnership – TPP, na sigla em inglês) depois de sete anos de esforços envolvendo doze países banhados pelo Oceano Pacífico. A mídia global, incluindo seus seguidores aqui no Brasil, anunciou o acordo como sendo o tratado de livre comércio mais abrangente do século 21 por envolver 36% do PIB mundial, incluindo países responsáveis atualmente por 30% do comércio internacional e grandes economias como as de EUA, Japão e Canadá.
No afã ideológico de defender a liberalização do comércio a qualquer preço, mesmo sem conhecer a íntegra do acordo cujas negociações foram secretas o tempo todo, alguns especialistas brasileiros açodadamente estimaram perdas para o Brasil por não participar do TPP. Aliás, quase três semanas depois do anúncio, nem os parlamentares do Congresso norte-americano haviam tido acesso à íntegra do documento. No entanto, pelo pouco que se sabe a respeito, o TPP por várias razões é qualquer coisa menos um acordo de livre comércio, além de incluir importantes aspectos geopolíticos.
O lado econômico
Em primeiro lugar, os EUA já possuem tarifas externas extremamente baixas, mas têm um aparato protecionista por meio das Seções 201 e 301 do seu Código Comercial que não foram afetadas pelas negociações. O Japão terá um prazo de 30 anos para adaptar sua tarifa externa à média dos países participantes e sua produção de arroz continuará protegida.
A Austrália recebeu a permissão para exportar uma cota de 65 mil toneladas de açúcar ao ano para os Estados Unidos como compensação pela adesão ao tratado. (A título de comparação, o Brasil exporta 22 milhões de toneladas por ano). A Nova Zelândia continua insatisfeita com o tratamento dado por EUA e Canadá aos seus produtos lácteos e talvez acabe recebendo deles alguma cota também.
O Chile abriu sua economia há 40 anos durante a ditadura Pinochet e suas tarifas externas são em média 0,3%. Possui acordos de livre comércio com mais da metade dos países do mundo e mesmo assim 60% ou mais de sua pauta de exportações continua preenchida pelo cobre como sempre foi, mesmo com sua economia fechada.
Não há por que falar em acordo de livre comércio, aliás, sempre obstaculizado pelo protecionismo em épocas de crise, e estamos vivendo sob a mais grave dos últimos setenta anos. O que o TPP na prática estabeleceu deveria se chamar Multinational Companies’ Management Treaty – MNCMT (Tratado de Gestão de Empresas Multinacionais), pois define uma série de regras de proteção aos investimentos, de propriedade intelectual mais favoráveis do que as existentes na OMC e a liberalização das compras governamentais dos países participantes. Esse conteúdo explica a adesão do Japão, que junto com Estados Unidos e União Europeia sediam 70% das multinacionais do mundo, incluindo as maiores.
Um gaiato da imprensa brasileira elogiou o ambiente “regulado” que agora haverá para as atividades empresariais no âmbito dos países do TPP! Na verdade, criou-se um ambiente de saque em favor das empresas multinacionais, particularmente, as americanas e japonesas, pois não consta existir empresas relevantes em países como Vietnã, Brunei e Peru.
As regras acordadas em relação à propriedade intelectual têm vários aspectos, o principal é o prolongamento de seus prazos de validade, particularmente, em relação aos produtos fármacos que as empresas multinacionais do setor pretendem estender dos atuais doze anos previstos na OMC. A consequência é óbvia. Será o encarecimento de remédios devido aos monopólios de produção, o que afetará com mais rigor os países pobres que convivem com endemias como malária, aids, ebola, entre outras.
A abertura das compras governamentais para a livre concorrência internacional retirará um dos poucos instrumentos macroeconômicos que restou aos países em desenvolvimento do bloco para induzir seu desenvolvimento por meio de favorecimento a empresas locais.
Entretanto, a parte mais intrusiva coube à criação de tribunais supranacionais para solucionar controvérsias sem interferência do Poder Judiciário nacional e sem possibilidades recursais. Esses mecanismos fazem parte de acordos bilaterais e regionais dos Estados Unidos com outros países desde a década de 1980 e visam, principalmente, proteger os investimentos diretos de suas empresas multinacionais em outros países.
Esses tribunais julgam queixas de empresas contra Estados nacionais que aderiram a esse tipo de acordo quando essas entendem que seus investimentos e lucros, inclusive futuros, são ameaçados por medidas e leis adotadas pelos governos. Alguns exemplos são emblemáticos, como o da Phillip Morris questionar o Uruguai pelas perdas, presentes e futuras devido à campanha anti-tabagista levada adiante pelo governo daquele país. Nesse caso, quem decidirá sobre a legitimidade da campanha em favor da saúde não será uma corte uruguaia e sim o Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (Ciadi) do Banco Mundial. Há vários absurdos semelhantes. No TPP, esses mecanismos também serão aplicados aos demais temas do acordo.
O aspecto geopolítico
O TPP não inclui a China e em discurso recente o presidente dos EUA, Barack Obama, mencionou que o acordo “responde aos valores americanos” e servirá para colocar parâmetros para o comportamento deste país na economia mundial, deixando claro que há uma disputa entre ambos sobre o controle da economia na Ásia e no Pacífico.
Além do TPP, os Estados Unidos estão patrocinando dois outros acordos: o Acordo sobre Comércio de Serviços (Tisa em inglês), plurilateral, para liberalizar o setor de serviços, igualmente negociado sem transparência e com cláusulas esdrúxulas que somente servem aos interesses das empresas multinacionais, e o Acordo de Parceria Transatlântica (APT) entre EUA e União Europeia com o mesmo conteúdo da TPP. Ou seja, se essas negociações forem concluídas com sucesso, as empresas multinacionais norte-americanas estarão no centro do comando da economia mundial e com seus braços estendidos para o Leste e Oeste do mundo, com presença própria e por meio de seus aliados europeus e japoneses.
As empresas multinacionais estadunidenses, além de seu papel econômico, também exerceram um papel geopolítico ao seguir as orientações do Departamento de Estado e promover “o modelo de vida americano”, além de se envolver em processos políticos locais para atender seus interesses econômicos. São conhecidas as histórias de lobbies de empresas americanas sobre o governo de seu país para derrubar governantes como Mosadegh no Irã, João Goulart no Brasil, Salvador Allende no Chile, entre outros.
O TPP possibilita que novos países adiram a ele. Recentemente um ministro indonésio declarou: “diante do que conhecemos sobre o TPP, trata-se de um acordo que não é do interesse da Indonésia”. No entanto, o presidente Joko Widodo (conhecido no Brasil por mandar executar dois traficantes de drogas brasileiros), após visita a Washington e encontro com o presidente Obama, mudou o discurso e afirmou sua disposição em aderir, provavelmente em troca de algum benefício bilateral e pelas pressões de praxe.
Conclusão
Apesar da campanha favorável da mídia, o TPP está ainda longe de entrar em vigor, mesmo nos EUA. O presidente Obama conseguiu o mandato de “Fast Track” por poucos votos, há alguns meses, graças ao apoio dos parlamentares da oposição republicana, pois a maioria dos democratas votou contra. Eles entendem que o acordo não protege os empregos dos trabalhadores americanos e tampouco criaria novas oportunidades para eles. Como o trâmite regular permitirá que o Congresso vote a adesão ou não dos Estados Unidos somente em abril de 2016, a discussão será misturada com a campanha eleitoral presidencial, o que não facilita a aprovação.
Da mesma forma, em países como Austrália e Canadá, também há forte oposição ao acordo. O Partido Liberal canadense acabou de vencer as eleições derrotando o primeiro-ministro conservador Stephen Harper que participou e aprovou as negociações do TPP. Um dos argumentos de campanha dos liberais foi a crítica ao acordo.
De todo maneira, o caminho do Brasil em relação ao comércio internacional deve ser outro e apostar nos Brics e na América do Sul. Um dos problemas da tentativa de negociar a Alca, assim como a atual negociação com a União Europeia, é a assimetria entre os países participantes. No TPP e no Tisa isso é ainda mais explícito, e não faz o menor sentido submeter um país com o potencial econômico do Brasil às limitações e ditames proporcionados pelas empresas multinacionais, seja qual for sua origem.
Kjeld Jakobsen é diretor da Fundação Perseu Abramo
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